Vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura teme privatização da Justiça
O vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura (CSM), o juiz conselheiro José Sousa Lameira, admite que "a justiça está em crise", mas garante que a culpa não é do desempenho dos tribunais e dos juízes, mas antes da falta de "meios materiais, financeiros e de recursos humanos". "Múltiplos problemas" que, contudo, não justificam o recurso à arbitragem privada. Aliás, para o magistrado "é inadmissível" que o Estado recorra a esta solução para combater a lentidão processual.
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No XVI Encontro Anual do CSM, que decorre esta quinta e sexta-feira, em Vila Nova de Gaia, José Sousa Lameira assegurou ainda que os "juízes não são corruptos" e têm de estar sempre em maioria no CSM. Só assim, alegou, terão a sua independência garantida.
Com a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, sentada à sua frente, o vice-presidente do CSM abriu o Encontro Anual com críticas veementes. "Falar da Justiça é falar dos seus múltiplos problemas. Desde a falta de meios materiais e financeiros à falta de recursos humanos, não só de magistrados, mas também de funcionários judiciais", afirmou.
Em seguida, lembrou que "a carência de quadros é evidente, a falta de investimento no edificado da Justiça é manifesta e está à vista de todos", admitindo, como tal, que a "justiça está em crise".
Opção "inadmissível"
No entanto, para o juiz conselheiro, os tribunais "não têm, na maioria dos casos, qualquer responsabilidade na génese da crise da Justiça" e não são "um entrave ao desenvolvimento económico". Nesse sentido, defendeu que a lentidão na resolução de litígios, "o principal problema", não pode ser combatida com "recursos a meios alternativos, designadamente à arbitragem e, em última linha, à privatização da Justiça".
"Não considero que o caminho seja esse, designadamente quando uma das partes é o Estado (central ou não), pois os tribunais arbitrais não são órgãos estaduais, sendo altamente controvertido que constituam órgãos de soberania".
Aliás, para o vice-presidente do CSM, "é inadmissível que o Estado remeta a resolução dos litígios nos quais é parte para fora dos tribunais estaduais". Ao fazê-lo, está a desvalorizar o "funcionamento das suas próprias instituição, dos seus tribunais, o que contribui claramente para o descrédito do funcionamento da Justiça".
Processos disciplinares devem ser ponderados
Falando para uma plateia repleta de juízes, José Sousa Lameira frisou, igualmente, que "a perceção - muitas vezes infundada e sem razão - de uma corrupção generalizada, agora estendida ao próprio sistema de justiça em geral e aos juízes em particular, ameaça a confiança na democracia". Todavia, disse, "nem a corrupção é generalizada na Justiça, nem os juízes são corruptos". "Não pode ser um caso excecional e isolado a fazer germinar a ideia - perigosa e também injusta - de que a corrupção tem terreno fértil na Justiça", justificou.
Assim sendo, sustentou o magistrado, o CSM "deve ser o primeiro a defender a independência dos juízes", ao não "ceder à tentação mediática e da popularidade". "Tem necessariamente de saber resistir ao clamor mediático que, por vezes, se levanta contra um ou outro juiz e às suas decisões", declarou José Sousa Lameira, para quem o "CSM deve ser extremamente cauteloso e ponderado na abertura de processos disciplinares, os quais podem condicionar a independência dos juízes".
Exigida maioria de juízes no CSM
Ainda no que concerne à independência, o juiz conselheiro refutou qualquer "circunstância de os juízes poderem estar representados em minoria no seu órgão constitucional de autogoverno", ou seja o próprio CSM. Situação que pode verificar-se caso o presidente da República não nomeie um juiz para este órgão.
"Não se pense que a independência judicial é uma conquista civilizacional do Estado de Direito Democrático que não admite retrocesso. Tanto admite que, no espaço da União Europeia, temos vindo a ser confrontados com situações graves e preocupantes", avisou José Sousa Lameira, apontando os exemplos da Polónia e Hungria.