Líder do Benfica e filho, Bruno Macedo e José Santos detidos por crimes em negócios de 100 milhões. Autoridades investigam suspeitas sobre a inflação de comissões para desviar dinheiro do clube.
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As detenções de Luís Filipe Vieira e do seu sócio José António dos Santos, conhecido como o "Rei dos Frangos", assim como de Tiago Vieira, filho do líder encarnado, e do empresário de futebol que tratou do regresso de Jorge Jesus à Luz, Bruno Macedo, foram precipitadas para quarta-feira porque as autoridades acreditavam que Vieira estaria a par de uma detenção iminente. E estaria a concertar versões de defesa com o "Rei dos Frangos" para se proteger de uma investida do Ministério Público (MP) sobre os negócios da OPA ao Benfica, das dívidas ao Novo Banco, mas também sobre transferências de jogadores que, através de avultadas comissões fictícias envolvendo Macedo, terão permitido a Vieira desviar dinheiro do Benfica. Ao todo, os negócios totalizam mais de 100 milhões de euros e terão lesado tanto o Estado, através do Fundo de Resolução, como outras sociedades, entre elas a Benfica SAD.
Os quatro detidos passaram a noite em celas da PSP de Lisboa e vão hoje ser interrogados pelo juiz Carlos Alexandre, por suspeitas de abuso de confiança, burla, falsificação, fraude fiscal e branqueamento, alegadamente praticados desde 2014 até hoje. O Benfica não foi constituído arguido e será considerado vítima.
Encontros vigiados
De acordo com informações recolhidas pelo JN, o inquérito dirigido pelo procurador Rosário Teixeira, auxiliado pelo inspetor tributário Paulo Silva (os mesmos da Operação Marquês), junta vários processos e foi aberto há pelo menos dois anos. A operação foi planeada há meses, mas a pandemia levou ao adiamento das buscas, que não estavam previstas para este mês. Só que recentes vigilâncias a Vieira fizeram soar os alarmes. Foram verificados encontros com José dos Santos, considerados altamente suspeitos. Ao ponto de acreditar que Vieira teria beneficiado de uma fuga de informação e avisaria o sócio, para acertar versões com o intuito de destruir eventuais provas. Na quarta-feira, o MP disse terem sido efetuadas as detenções "com vista a acautelar a prova, evitar ausências de arguidos e a prevenir a consumação de atuações suspeitas em curso".
Foram realizadas 45 buscas, abrangendo o Estádio da Luz, o Seixal, empresas de Vieira e do "Rei dos Frangos", o Novo Banco e escritórios de advogados, além das residências dos detidos, nas áreas de Lisboa, Torres Vedras e Braga.
"No processo investigam-se negócios e financiamentos em montante total superior a 100 milhões de euros, que poderão ter acarretado elevados prejuízos para o Estado e para algumas das sociedades", informou o DCIAP.
Em causa, estarão desvios de comissões excessivas pagas pelo Benfica ao empresário Bruno Macedo, mas que iriam parar a contas de imobiliárias de Vieira, a braços com dívidas bancárias. O dinheiro terá circulado entre 2016 e 2017.
Outra linha da investigação prende-se com a OPA ao Benfica, em que Vieira é suspeito de ter montado a operação, em final de 2019, para que o "Rei dos Frangos" lucrasse cerca de 11 milhões de euros. Porquê? José António dos Santos tinha comprado uma dívida, por 8 milhões de euros, que a empresa Imosteps, de Vieira, tinha para com um fundo norte-americano. Esse fundo adquirira a dívida, em que Vieira era avalista pessoal, ao Novo Banco, a que o líder do Benfica ficou a dever, apenas nesse negócio, 54 milhões de euros. A CMVM acabaria por chumbar a OPA.
A reestruturação da dívida da Promovalor, outra empresa de Vieira com perdas assumidas de 180 milhões de euros, também está sob investigação. Foram realizadas buscas à C2 Capital Partners, empresa liderada por Nuno Gaioso Ribeiro (antigo vice-presidente do Benfica), que ficou a gerir os ativos da Promovalor.
Reação
Benfica SAD diz que não é arguida e colaborou
"Nem a Benfica SAD nem o Sport Lisboa e Benfica (ou qualquer entidade por si controlada) foram constituídos arguidos no âmbito desta investigação, tendo sido prestada toda a colaboração solicitada pelas autoridades relevantes", reagiu ontem aquela Sociedade Anónima Desportiva, em comunicado onde começou por confirmar que foi alvo de buscas e que o seu presidente foi constituído arguido e detido. Luís Filipe Vieira acompanhou a busca em sua casa e entrou na esquadra da PSP de Moscavide, pelas 21 horas, numa carrinha de vidros escuros. À saída, o advogado Magalhães e Silva declarou que o seu cliente acompanhou as buscas "com serenidade".
As figuras
Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica
O presidente do Benfica é suspeito de usar dinheiro do clube para pagar dívidas do seu universo empresarial. Através do empresário de Braga Bruno Macedo terá conseguido desviar parte de comissões de compra e venda de atletas para as incorporar no seu património. O Ministério público pode vir a pedir a sua suspensão de funções no Benfica.
José António dos Santos, "Rei dos Frangos"
É amigo e sócio de longa data de Luís Filipe Vieira. Tem 80 anos e um império chamado Valouro. O grupo tem cerca de 40 empresas ligadas à agricultura, rações, produção de aves (o que lhe valeu o cognome de "Rei dos Frangos"), mas também seguros e turismo. É suspeito de ter entrado no esquema da OPA ao Benfica para ser ressarcido da compra de dívida de Vieira.
Tiago Vieira, filho de Luís Filipe Vieira e empresário
Tem 44 anos e é administrador para as áreas de prospeção e desenvolvimento de conceito, marketing e comercial da imobiliária presidida pelo pai, Promovalor. É suspeito de ter auxiliado o pai nos esquemas de desvio de dinheiro do Benfica para as imobiliárias, mas também nas fraudes ao Fundo de Resolução Bancária.
Bruno Macedo, empresário de futebol
Natural de Braga, Bruno Macedo cursou Direito e chegou a exercer como advogado, tal como o pai, um conhecido causídico da Cidade dos Arcebispos, mas dedicou-se aos negócios e fez-se parceiro de Tiago Vieira, filho do líder benfiquista, em investimentos imobiliários, designadamente no Brasil. Tem-se envolvido, também, em negócios do futebol.
Gaioso Ribeiro, ex-vice-presidente do Benfica
Foi vice-presidente de Luís Filipe Vieira no Conselho de Administração da Benfica SAD, que deixou em outubro de 2020. É sócio fundador e presidente do Conselho de Administração da C2 Capital Partner, que passou a gerir os ativos da Promovalor, de Vieira, após a renegociação de dívida. Não foi constituído arguido, mas poderá ser testemunha-chave.
Os negócios em detalhe
Promovalor deve 300 milhões ao Novo Banco
Vice compra dívida
O Grupo Promovalor, detido por Luís Filipe Vieira, é um dos grandes devedores do Novo Banco, com uma dívida acumulada a rondar os 300 milhões de euros. O próprio presidente do Benfica admitiu, aquando da sua passagem pelo Parlamento para responder às questões da Comissão de Inquérito do Novo Banco, que a dívida da Promovalor ao banco era de 227,3 milhões. Desses, 217 milhões eram referentes a capital, 8,9 milhões a juros e 1,4 milhões a comissões bancárias. Esta dívida foi transferida do Novo Banco para a C2 Capital Partners, uma sociedade gestora privada presidida por Nuno Gaioso Ribeiro, que chegou a ser vice-presidente numa direção do Benfica liderada por Luís Filipe Vieira. Gaioso Ribeiro também foi interrogado pelos deputados na Comissão de Inquérito e afirmou que "dificilmente" o fundo que ficou com património da Promovalor vai atingir o objetivo de reembolsar 60 milhões de euros ao banco em 2022. Esta meta, disse, só será atingida se for possível vender um ativo de relevo, como seria o caso de um edifício de escritórios em Moçambique ou de um hotel de luxo no Brasil. Negócios que caracterizou como difíceis, face à conjuntura naqueles dois países.
Imobiliária com 54 milhões de dívida
OPA de amigos
Em 2019, o Benfica lançou uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) para comprar 28,06% das ações da Benfica SAD. José António dos Santos, o "Rei dos Frangos", controlava 16,33% daquele capital e o próprio Vieira tinha 3,28%. A proposta era comprar a cinco euros ações que estava cotadas a 2,76 euros, mas o negócio não foi autorizado pela CMVM. Nessa altura, José António dos Santos já tinha adquirido ao fundo Davidson Kempner a dívida da Imosteps, uma promotora imobiliária detida por Luís Filipe Vieira. Com terrenos no Brasil, esta acumulou uma dívida superior a 54 milhões de euros no Novo Banco, que seria, em 2019, vendida ao fundo abutre por quatro milhões. Os norte-americanos conseguiram, no entanto, vender a dívida ao "Rei dos Frangos" por oito milhões de euros e o aval pessoal de Vieira que cobria a dívida foi cancelado. "O preço de cinco euros por ação oferecido na OPA, objetivamente, seria suscetível de remunerar o risco assumido e o investimento de José António dos Santos quando adquiriu as dívidas vencidas no valor de 54 milhões de euros", acusa o advogado Jorge Mattamouros, na ação judicial que intentou para destituir Vieira.
Outros processos
Corrupção
Em novembro de 2020, a PJ fez buscas no Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e no Estádio da Luz. A investigação visou o eventual favorecimento concedido por Vítor Pataco, atual presidente do IPDJ e ex-diretor-geral da Benfica Multimédia, S.A., em processos de contraordenação relativos ao apoio a claques benfiquistas não legalizadas.
Branqueamento
Em junho de 2018, o Estádio da Luz foi palco de buscas e foram constituídos seis arguidos por suspeitas de crimes fiscais e lavagem de dinheiro. O caso surgiu após movimentos de 1,9 milhões de euros, com origem na Benfica, SAD e na Benfica Estádio, SA, para firmas de informática.
E-mails
A divulgação de e-mails do Benfica levantou suspeitas de tráfico de influência e corrupção. Houve buscas ao Estádio da Luz e em casas de dirigentes e de elementos ligados à arbitragem. Paulo Gonçalves, ex-braço-direito de Vieira, foi constituído arguido.
E-Toupeira
Em março de 2018, a PJ deteve Paulo Gonçalves e fez buscas na Luz, no âmbito de um processo em que um funcionário judicial é acusado de passar informações em segredo de Justiça a Gonçalves.
Vouchers
Bruno de Carvalho, ex-presidente dos leões, denunciou na TV que o Benfica oferecia a árbitros o "Kit Eusébio".