Vítima de incêndio em coletividade: "Vivo às custas da minha mulher, filhas e sogra"
Vítima de fogo que matou 11 e feriu 38 em coletividade, faz, esta quinta-feira, quatro anos, fez descontos durante 30 anos e, agora que precisa, sente-se "abandonado".
Corpo do artigo
José Luís Lopes, vítima do fogo que feriu 38 e matou 11 há quatro anos, na Associação de Vila Nova da Rainha, em Tondela, não tem qualquer apoio da Segurança Social (SS) há quase um ano, mesmo impossibilitado de trabalhar.
Este homem, de 59 anos, queimou-se na cabeça, pernas e mãos, perdeu quatro dedos numa mão e um na outra, foi operado quatro vezes, esteve dois meses internado, ficou de baixa três anos. Em fevereiro de 2021, começou a receber a pensão de invalidez provisória, de 211 euros, mas cortaram-lha um mês depois.
Quando a baixa acabou, a SS pediu-lhe documentação para a reforma antecipada. José Luís entregou-a e, em março, foi dado como "apto para trabalhar". "Tive de recorrer. A 8 de abril, fui a nova junta médica, onde viram que não podia trabalhar. Isso foi para Lisboa, mas cortaram a pensão provisória, e estou sem receber um tostão", queixa-se, após 30 anos de descontos, num escritório de seguros.
"Fui abandonado pelo Estado. Sinto-me um chulo, vivo às custas da minha mulher, filhas e sogra, quando trabalhava e sempre descontei. Já me deviam ter dado a reforma por invalidez", protesta.
"Cadafalso pequenino"
À semelhança dos outros feridos e dos familiares dos mortos, José Luís recebeu mil euros do seguro da coletividade. No julgamento, vai reclamar 150 mil euros, tal como as outras vítimas. O incêndio, num torneio de sueca, começa a ser julgado a 28 de março, em Viseu.
O Ministério Público (MP) acusou só o presidente da coletividade, Jorge Dias, por 11 crimes de homicídio negligente e um de ofensas corporais negligentes.
Para o MP, Jorge Dias tinha "perfeito conhecimento de que o edifício não oferecia condições de segurança para um evento com 60 pessoas". Se tivesse cumprido as normas de segurança nas obras ao longo dos anos na associação, "ter-se-ia evitado seguramente a magnitude do incêndio e as consequências humanas e materiais que ele provocou", acrescentou.
Jorge Dias diz, ao JN, que aguarda o julgamento "de consciência tranquila". Para José Luís, "não é justo" haver só um arguido. "O MP e a Polícia Judiciária desvirtuaram a justiça, tiraram a venda do símbolo da justiça", critica, considerando que o Ministério da Administração Interna e o Estado "também têm culpas no cartório". "Mas, ao fim ao cabo, para não arranjarem um cadafalso muito grande, tiveram de arranjar um pequenino", lamenta.
Seja como for, por iniciativa dos advogados das vítimas, foi extraída certidão para averiguar responsabilidade do presidente da Câmara de Tondela, José António Jesus, do ex-vice Pedro Adão, do vereador da Proteção Civil, Miguel Torres, e dos serviços de urbanismo e proteção civil, por terem permitido que a coletividade funcionasse em condições que se revelaram fatais.
Coletividade
"Faz falta na terra"
"Era o ponto de encontro na terra, onde se faziam as marchas, se jogava aos domingos, se viam os jogos de futebol. Era uma sala de convívio que faz falta na terra", lembra o autarca local, Vítor Mota, sobre a associação destruída pelo fogo.
Novo edifício
Começou a ser construída, no ano passado, em frente ao edifício que ardeu, a nova associação. O imóvel deve estar pronto no final do ano. Será um investimento de 200 mil euros, da junta e da câmara. Os órgãos dirigentes já estão eleitos e não têm relação com a anterior associação.
Pedido de apoio
O líder da Confederação das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto, Vladimiro Matos, avisa que estas "precisam de ser apoiadas, para que aquela situação [o fogo] não volte a acontecer", justifica, sobre a necessidade de resolver problemas de segurança nos edifícios das coletividades.