Dezenas de clubes de futebol investigados por imigração ilegal e tráfico humano
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem atualmente em curso 40 inquéritos-crime visando clubes de futebol do Campeonato Nacional de Seniores ou de divisões inferiores de todos o país por suspeita da prática de crimes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos relacionados com jogadores estrangeiros. Fiscalizações efetuadas a associações desportivas permitiram, desde 2019, detetar 110 atletas em situação irregular em Portugal.
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São dirigentes de clubes, agentes desportivos ou até atletas que não hesitam em falsificar documentos ou contratos de trabalho para conseguirem ultrapassar as condicionantes legais da entrada de jogadores estrangeiros e terem, assim, "mão de obra" mais barata e submissa. Para poder jogar em Portugal, um estrangeiro tem de ser titular de visto de estada temporária para o exercício de atividade desportiva amadora. Pode ainda obter um visto de residência, junto da representação diplomática de Portugal no seu país de origem ou ainda solicitar uma autorização de residência, quando já cá está. Mas estas burocracias são muitas vezes vistas como um obstáculo pelos clubes e agentes, que preferem oficializar contratos depois de terem a certeza de que o jogador lhes pode render dividendos numa eventual venda.
Assim, muitos atletas acabam por entrar em Portugal apenas com um visto de turismo, para prestar provas nos clubes durante um ou dois meses. Outros chegam fora do período legal de transferências (no verão ou em janeiro) e os clubes não tratam da documentação, para evitar pagar salários e impostos. Acabam a trabalhar nos clubes ou associações desportivas de forma clandestina, levando o SEF a abrir inquéritos por auxílio à imigração ilegal.
Outra forma de manter os jogadores em território nacional à margem da lei passa pela elaboração de contratos de trabalho fictícios. "São suspeitos da utilização sistemática de atletas em situação documental irregular em território nacional, através da utilização de contratos de trabalho fictícios com entidades patronais para as quais os atletas efetivamente não trabalhavam, na medida em que apenas desenvolviam a atividade de futebolista", explicou ao JN fonte do SEF.
Promessas encobrem tráfico
Os casos de tráfico de seres humanos são mais raros e foram detetados essencialmente na Zona Centro do país. Agentes prometem excelentes remunerações aos atletas para os atraírem para Portugal. Mas quando chegam, os sonhos de estrelato em clubes europeus desfazem-se em clubes de divisões inferiores, onde são mal pagos e vivem ilegalmente, com medo de serem descobertos pelas autoridades. Ficam assim à mercê dos traficantes que lhes exigem parte do salário durante um longo período de tempo.
Muitos dos 40 inquéritos-crime atualmente em investigação no SEF tiveram origem em fiscalizações direcionadas. "Entre 2019 e 2020, o SEF desenvolveu 107 ações de fiscalização em associações desportivas ou clubes de futebol, tendo detetado 110 cidadãos estrangeiros em situação irregular. No total foram constituídos como arguidos 26 cidadãos e dez clubes ou associações desportivas. Foram ainda detidos dois cidadãos por suspeitas da prática de crimes de tráfico de seres humanos, auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos", adiantou a mesma fonte.
Melhorias no cumprimento das normas
O SEF sublinha que se tem registado uma sensibilização crescente dos diversos agentes desportivos para o cumprimento das normas que regulam a entrada, permanência e saída de cidadãos estrangeiros de território nacional, "pelo que se têm verificado muitas iniciativas de regularização documental bem-sucedidas", diz fonte do SEF. A sensibilização junto dos clubes e associações desportivas, bem como da Federação Portuguesa de Futebol, através da realização de sessões de esclarecimento relativamente aos procedimentos estabelecidos pela Lei de Estrangeiros, tem vindo a dar frutos. "O objetivo principal destas sessões é fazer chegar aos clubes quais os procedimentos e documentação necessária para a obtenção de autorização de residência em Portugal", explica ainda o SEF.