Magistrados sem acesso a base de dados nacional que permita conhecer automaticamente currículo dos suspeitos.
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Já se perdeu a conta aos termos de identidade e residência (TIR) a que o "Rei dos Catalisadores" foi sujeito, além de outras medidas de coação, como apresentações diárias às autoridades, que nunca cumpre. Vítor Macedo, 30 anos, o pequeno ladrão natural da Maia que furta diariamente catalisadores para alimentar o vício da droga e é suspeito em mais de 100 casos, foi detido e libertado cinco vezes apenas em dois meses.
E porquê? Primeiro porque visto de forma isolada cada assalto corresponde a um crime de furto simples, o qual, à luz do Código Penal, não permite a aplicação de prisão preventiva. Mas também porque não existe uma base de dados nacional acessível aos magistrados do Ministério Público (MP) que permita, de forma automática, obter uma listagem de todos os casos em que um indivíduo é suspeito, o que permitiria a junção instantânea das dezenas de investigações, espalhadas por várias comarcas, neste caso visando Vítor Macedo.
Identificado em 50 casos
Desde 25 de maio, data em que foi surpreendido em flagrante a furtar catalisadores e apanhado após uma fuga em marcha-atrás, na VCI do Porto, Vítor Macedo terá furtado dois ou três daqueles componentes de automóveis por dia, segundo fontes policiais.
Só na PSP, já está formalmente identificado como suspeito em mais de 50 casos, através de inspeções lofoscópicas que detetaram as suas impressões digitais em objetos furtados. Há outros tantos processos à espera dos resultados de perícias forenses.
Segundo as mesmas fontes, o "Rei" troca os catalisadores por dinheiro em sucatas pouco escrupulosas por valores que podem ir até aos 200 euros, quando os componentes têm mais metais preciosos para aproveitar. E com o dinheiro vai comprar droga a conhecidos bairros do Porto, onde é muitas vezes detetado pela PSP. Ainda na semana passada foi intercetado ao volante de um carro furtado, com bidões para armazenar combustível também furtado, assim como uma rebarbadora e um macaco hidráulico, bem como um catalisador.
O "Rei" foi levado a tribunal, onde, informalmente, até toda a gente podia saber a quantidade de inquéritos em que é visado, mas, no papel, o magistrado do MP apenas tinha contra ele uma única detenção por uso de veículo furtado. É que nem o furto do automóvel, do combustível ou do catalisador lhe podia imputar de forma automática, porque só uma investigação podia efetivamente demonstrar, através de impressões digitais, por exemplo, que tinha sido ele a roubar esses materiais. São perícias impossíveis de realizar em poucas horas.
crimes sem prisão
A ausência de uma base de dados nacional do MP, que permitiria ao procurador obter de forma imediata a lista de inquéritos em que Macedo é arguido ou suspeito, também levou a que fosse indiciado apenas por crimes que não permitem a aplicação de prisão preventiva. O caso "baixou a inquérito", uma expressão judicial que significa a abertura de nova investigação.
"Não existe uma base de dados nacional que permita que qualquer Departamento de Investigação e Ação Penal possa tomar conhecimento dos antecedentes criminais e dos processos em que determinado arguido é suspeito" explica ao JN Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, recusando falar sobre o caso do "Rei dos Catalisadores".
"Neste momento, esta pesquisa é possível apenas na comarca em que está colocado o magistrado. Só com essa informação é que é possível demonstrar que um arguido faz do furto simples o modo de vida e, assim, qualificar o crime, para que um juiz de instrução possa aplicar uma prisão preventiva", acrescenta, apontando a necessidade da criação da base de dados.
Pormenores
Estrela de Factor X
A 17 de junho, o "Rei dos Catalisadores" escapou à Polícia, após um furto e perseguição de 19 quilómetros entre o Porto e Gaia. Um alegado cúmplice foi detido. Trata-se de outro "rei", antiga estrela no programa "Factor X" da SIC. Daduh King ("rei" em inglês) é Dário Ferreira na vida real.
Burlão das notas de 50
Valdemar Castro, conhecido como o "burlão das notas de 50 euros", por enganar dezenas de comerciantes a fazer compras sem pagar e ainda levar o troco de 50 euros, em 2015 e 2016, foi detido e libertado sucessivamente no Porto e em Gaia. As burlas eram de pouco valor e os processos estavam em várias comarcas. Só ficou preso quando os inquéritos foram apensados e acabou condenado a 12 anos de prisão.
Qual é a diferença entre o crime de furto e o de uso de veículo furtado?
Quando alguém é apanhado ao volante de um carro furtado há menos de 24 horas as autoridades podem presumir que foi essa pessoa que o furtou. Mas se esse tempo for ultrapassado apenas é automaticamente demonstrável o uso do carro, o que reduz muito a moldura penal aplicável. O arguido pode alegar que o encontrou aberto e que passou a usá-lo sem o ter furtado.
O que pode qualificar um furto?
O valor do bem que foi furtado. Se o veículo valer mais de cinco mil euros, trata-se de furto qualificado, crime que permite a aplicação da medida de coação de prisão preventiva. Abaixo de um valor de 50 unidades de conta (102 euros cada), o furto é considerado simples e é punido com pena de prisão até três anos ou de multa. O furto qualificado tem uma moldura penal que vai até oito anos de prisão.
Qual é valor de um catalisador?
Muitos dos catalisadores furtados são vendidos em pequenas oficinas a preços muito inferiores aos mais de mil euros cobrados no mercado tradicional, mas outros acabam desmantelados para aproveitar metais como o paládio, a platina e o ródio, cujo valor é superior ao do ouro, podendo chegar aos 65 euros o grama.
Cinco detenções do "Rei dos Catalisadores" terminaram com a sua libertação sob medidas de coação menos gravosas, em apenas dois meses, as quais não tem cumprido.
100 crimes, a maioria furtos de catalisadores são atribuídos a Macedo, sendo que em 50 já foi identificado com base em provas científicas. As restantes aguardam o resultado de perícias.