Paulo Pinto de Albuquerque é o primeiro jurista de Portugal a ser distinguido pelo trabalho de nove anos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
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Paulo Pinto de Albuquerque tornou-se o primeiro jurista português a merecer uma homenagem em Itália. O tributo, justificado pelo trabalho de nove anos como juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), ocorreu na semana passada e foi promovido pelas universidades de Milão e de Florença, na forma de um livro inspirado na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Mais de 55 magistrados, entre os quais o ex-presidente do TEDH, Guido Raimondi, fizeram questão de contribuir para a "Europa Humana - Escritos em homenagem a Paulo Pinto de Albuquerque".
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Na cerimónia, Albuquerque lembrou "os progressos notáveis" alcançados, nos últimos nove anos, pelo TEDH, mas salientou também as "derrotas tristes". "O desenvolvimento da jurisprudência do Tribunal Europeu sobre os direitos dos migrantes é testemunho do que acabo de dizer", exemplificou.
Apontando casos concretos, o juiz defendeu que "se uma pessoa em perigo de ser torturada no seu próprio Estado procura asilo numa embaixada de um Estado vinculado pela Convenção, deve ser concedido um visto para entrar no território desse Estado". E alegou que torna-se essencial "um novo constitucionalismo, no qual os direitos humanos podem e devem ter uma função anti-majoritária e anti-utilitária na defesa das minorias, tais como prisioneiros, migrantes e todos os filhos de um deus menor deixados para trás na nossa sociedade egoísta de hoje". "Mas também uma função de promoção das maiorias exploradas e desprezadas, porque há maiorias exploradas e desprezadas como as mulheres e os trabalhadores", frisou.
Um humanista humilde
O caráter humanista foi, aliás, uma das características destacadas por Davide Galliani, da Universidade de Milão, para explicar os motivos da homenagem ao juiz português. "Ao lado de uma atenção aguda pelos mais fracos, pelos marginais da população, pelos últimos entre os últimos, para o Paulo é a igualdade perante a lei que deve receber a maior atenção, de modo a garantir a igualdade de tratamento de todos independentemente das condições económicas e sociais de cada um".
O especialista em Direito Constitucional e Instituições de Direito Público, responsável pela coordenação da obra literária, acrescentou que, nos nove anos que o português permaneceu no TEDH, "não houve artigo da Convenção sobre o qual o Paulo não tenha escrito uma opinião separada".
"Tomou posição sobre problemáticas internas do tribunal, por exemplo sobre a questão delicada da motivação (ausente) das decisões de inadmissibilidade e as opiniões separadas nas formações de três juízes. Escreveu opiniões memoráveis sobre as relações externas do tribunal, basta considerar, também aqui, só para dar um exemplo, o dificílimo confronto com o Conselho de Segurança das Nações Unidas (que, ignorando os Estados, quer ignorar também o tribunal) e o felicíssimo paralelo com o Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos (irmão distinto, mas não distante)", destacou.
Já Roberto Conti, juiz do Tribunal de Cassação italiano, declarou que foi a "universalidade, humanidade, humildade e utilidade" de Albuquerque que granjeou a veneração dos advogados italianos. "Paulo não se tornou presidente ou vice-presidente do TEDH, não demonstrou nos seus nove anos no tribunal que aspirava a posições particulares e não demonstrou que se preocupava particularmente com elas, mas interpretou verdadeiramente o papel do juiz independente e autónomo, mesmo transversal, por vezes mesmo fortemente crítico das opiniões da maioria e, portanto, livre, autenticamente autónomo, capaz de fazer ouvir a sua própria opinião, encarnando precisamente os valores que deveriam marcar universalmente a figura de qualquer juiz, nacional ou não. Ou seja, o trabalho de Paulo Pinto de Albuquerque é, para este italiano, "um exemplo que não pode deixar de ser fortemente apresentado às gerações de todos os juízes, jovens e idosos".
Advogado que foi juiz e agora é professor
Paulo Pinto de Albuquerque começou pela advocacia, tornado-se depois juiz e especialista em Direito Penal.
Em 2002, foi o magistrado que considerou haver prova suficiente para que o ex-presidente do Benfica, João Vale e Azevedo, fosse a julgamento pelo desvio de um milhão de euros, no processo "Euroárea".
Em 2011, seria escolhido entre 31 candidatos nacionais para juiz do TEDH, de onde saiu no início de 2020. Regressou, como professor catedrático, à Universidade Católica.