Estudo concluiu que taxas de condenação por violência doméstica são superiores quando são mulheres a julgar.
Porque é que, estatisticamente, um agressor doméstico tem, em Portugal, três vezes mais probabilidade de ser absolvido em primeira instância se for julgado por um homem do que se for julgado por uma mulher? A pergunta ainda não tem resposta e, por isso, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) está a ponderar encomendar um estudo científico para perceber o porquê de ser assim.
O desejo foi expresso, esta sexta-feira, pelo presidente daquele entidade, Manuel Soares, durante a apresentação à Comunicação Social, em Lisboa, do livro "As Respostas Judiciais na Criminalidade de Género".
A obra, editada pela Almedina, resulta, em parte, de um estudo solicitado à Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto pela ASJP, na sequência da polémica, em 2017, em torno de um acórdão em que o juiz Neto de Moura citou a Bíblia e o Código Penal de 1884, para enquadrar crimes de violência doméstica contra uma mulher. Um dos objetivos era perceber o uso de linguagem inapropriada era, ou não, generalizado.
No estudo, conduzido por Jorge Quintas e Pedro Sousa, os investigadores analisaram 212 decisões sobre violência doméstica e 157 sobre violência sexual contra adultos, proferidas entre 2015 e 2019 e escolhidas de modo aleatório. E concluíram que a atuação de Neto de Moura fugiu à regra.
Não há discriminação explícita
"A fundamentação das decisões não contém explicitamente expressões de discriminação", resumiu, esta sexta-feira, Jorge Quintas. Não foram igualmente identificados, acrescentou Pedro Sousa, desfechos distintos nos processos consoante a idade, a nacionalidade ou as habilitações dos agressores.
No final, a surpresa acabou por ser apenas uma: a constatação de que a taxa de condenação nos tribunais singulares é superior quando se trata de uma juíza a julgar (71,2%) face a quando se trata de um homem (45,5%). Já no caso de violações sexuais, cujos processos terminam maioritariamente com pena de prisão efetiva, não se regista qualquer distinção semelhante.
"Ainda vamos discutir como é que se consegue passar para a fase seguinte e perceber a razão", rematou Manuel Soares.
Agressores homens
Quer na violência doméstica quer nos ataques sexuais, os agressores são principalmente homens e as vítimas maioritariamente mulheres. Enquanto a primeira é prolongada no tempo, as violações são, por norma, atos isolados.
"Repulsa social"
Um outro estudo incluído na obra, coordenado pela juíza Carolina Girão, permitiu concluir que, apesar de a elevada taxa de penas suspensas, os magistrados não são benevolentes ao julgar violência doméstica. Mas há uma "desconformidade" entre as "soluções legais estabelecidas" e a "repulsa social" causada pelo crime.