Detido pela GNR, em Almada, em setembro de 2019, um homem foi pontapeado repetidamente e, deitado no chão, alvo de bastonadas no corpo e na cabeça. As agressões aconteceram antes e depois de ter sido algemado. Colocado na prisão de Setúbal, quis apresentar queixa contra os guardas, mas só passados três meses é que foi levado ao posto da Trafaria, onde percebeu que os militares que iam recolher o seu testemunho eram os mesmos que o tinham agredido. Desistiu.
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Este foi um dos casos que levaram o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura ou Tratamentos Desumanos e Degradantes (CPT) a concluir que há brutalidade policial em Portugal. "Os maus-tratos, sobretudo sobre cidadãos descendentes de africanos e estrangeiros, são frequentes. As autoridades portuguesas têm de reconhecer que os maus-tratos infligidos por polícias são um facto e não são resultado de haver apenas alguns agentes desonestos", lê-se num relatório ao qual o JN teve acesso e é hoje publicado.
Problemas com vários anos
O documento foi elaborado após uma comitiva do CPT ter visitado, entre 3 e 12 de dezembro de 2019, a sede da PSP em Moscavide, duas esquadras do Porto e Lisboa e o posto da GNR de Gondomar. No mesmo período, foram entrevistados dezenas de detidos e houve reuniões com os secretários de Estado da Administração Interna e da Justiça, responsáveis da Procuradoria-Geral da República e da Provedoria de Justiça, assim como representantes da GNR, Polícia Judiciária (PJ) e PSP.
No final, os dados recolhidos reforçaram as preocupações que os relatórios anteriores do CPT, o primeiro dos quais de 2012, já levantavam. Ou seja, a violência policial "é um problema real e persistente" em Portugal. "Os maus-tratos foram alegadamente infligidos como meio de forçar os suspeitos a assinar determinados documentos, confessar determinados crimes ou puni-los pelo alegado crime cometido. Consistiram principalmente em chapadas, socos e pontapés no corpo e/ou cabeça, bem como, ocasionalmente, no uso de bastões ou paus", descreve o CPT, que destaca o facto de muitas vítimas serem "pessoas de ascendência africana, tanto portugueses como estrangeiros". Além de agredidas, estas pessoas foram insultadas por elementos da PSP, GNR e PJ, que se "referiram em termos depreciativos à cor da sua pele".
O organismo europeu alerta ainda para a demora e ineficácia das investigações a casos em que polícias são suspeitos. "Não ficou claro se foram aplicadas quaisquer medidas provisórias aos polícias, mesmo quando as provas deram crédito às alegações de maus-tratos", sustenta.
Requeridos dados sobre morte de ucraniano
Apesar de o caso ter acontecido já em março deste ano, o organismo europeu fez questão de perguntar ao Governo em que circunstâncias ocorreu a morte do ucraniano retido no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Pediu ainda para ser informado do decurso dos processos penal e disciplinar que envolvem os inspetores do SEF suspeitos de terem matado Ihor Homenyuk. Na resposta, o Governo comunicou que estão a decorrer seis processos disciplinares, mas só um está perto da conclusão.
Detenção sem registo
Um universitário algemado às escadas da esquadra da Lapa, em Lisboa, foi esbofeteado e pontapeado por vários polícias, após ter pedido para contactar a família e um advogado. Pouco tempo depois, foi libertado sem que fosse feito qualquer registo da sua detenção.
Esfaqueamento
Detido em abril de 2019, numa rua de Setúbal, P. C. foi agredido por cinco agentes enquanto estava ajoelhado, em frente a uma viatura da PSP. Os pontapés e bastonadas fizeram com que ficasse, momentaneamente, inconsciente e fosse levado ao hospital. Já na esquadra do Seixal, foi esfaqueado nas costas pelo polícia, que usava uma faca para lhe tirar as algemas de plástico. Voltou ao hospital.
Gravar depoimentos
Nas recomendações apresentadas no relatório, o CPT propõe a criação de salas de interrogatórios nas esquadras e postos do país. Estas devem ter um sistema de vídeo que permita gravar os testemunhos.
Bodycams
O uso de bodycams por polícias também é recomendado. Seriam uma salvaguarda contra abusos cometidos por agentes que, simultaneamente, ficaram protegidos contra falsas acusações de maus-tratos.
Entrevistas em 48h
Todas as vítimas devem ser ouvidas pelo Ministério Público ou IGAI no prazo de 48 horas, defende o CPT.