Sindicato denuncia que há ex-funcionários de câmaras a elaborar propostas de penas de prisão, perícias da personalidade e avaliações psicológicas.
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Há técnicos superiores de reeducação e reinserção social a propor a prisão de condenados, o internamento de menores em centros educativos e a aplicação de pulseiras eletrónicas em suspeitos de violência doméstica, sem terem formação adequada e sem qualquer orientação técnica. A denúncia é do Sindicato dos Técnicos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que revela que estas "ilegalidades" estão a levar reclusos a pedir a repetição do julgamento e a sua libertação imediata.
Segundo o sindicato, criado em 2021, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) não está a cumprir a lei ao autorizar que trabalhadores de "câmaras, Instituto de Emprego e Formação Profissional ou Segurança Social" recorram à mobilidade na Função Pública para passarem a exercer funções de técnicos superiores de reeducação ou de reinserção social "sem qualquer preparação e/ou formação na área da Justiça".
Um dos últimos casos é o de uma funcionária dos Recursos Humanos de uma autarquia, que foi admitida pela DGRSP em julho e, a 1 deste mês, integrou uma equipa de reinserção social.
Para exigir o fim desta mobilidade, efetuada no âmbito da categoria de Técnicos Superiores da Carreira Geral, o sindicato dirigiu na quinta-feira uma queixa ao presidente da República e à Provedoria de Justiça. Também denunciou o caso à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República e à Ordem dos Advogados.
Sem orientador
Para o sindicato, peças processuais sem a "qualidade técnica mínima exigida", feitas por estes funcionários em mobilidade, põem em causa os processos judiciais e "estão a enviesar a aplicação da Justiça". "Já há advogados de arguidos e/ou condenados a colocar em causa estas peças processuais e a solicitar a repetição de julgamentos e a libertação imediata de quem esteja, de algum modo, privado da liberdade", garante.
Ao JN, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais diz que os candidatos a técnicos de reeducação e de reinserção social que beneficiem da mobilidade na Função Pública "passam por um período experimental de 240 dias", para "comprovar se possuem as competências exigidas pelo posto de trabalho".
A DGRSP, que terá a partir de hoje um novo diretor-geral, Rui Abrunhosa Gonçalves, acrescenta que só após uma "avaliação final igual ou superior a 14 valores" é que aqueles "começam a exercer as funções que lhe competem de forma autónoma".
O presidente do sindicato, Miguel Gonçalves, confirma que este estágio é imposto por lei, mas assegura que todos os candidatos "começam, de imediato, a emitir despachos e pareceres" em processos que lhes são distribuídos instantaneamente. "Não há, sequer, recursos humanos suficientes para que quem chega tenha um orientador", critica.
Carreira geral ou carreira especial?
A transformação de funcionários de autarquias, da Segurança Social ou do Instituto de Emprego e Formação Profissional em técnicos superiores de reeducação e reinserção social faz-se por via da mobilidade na categoria de Técnicos Superiores da Carreira Geral. Contudo, o Sindicato dos Técnicos da DGRSP defende que os autores de relatórios sociais sobre reclusos, condenados ou menores internados em centros educativos não estão, legalmente, incluídos neste regime. Pertencem, sim, às carreiras e categorias subsistentes e não revistas. Ou seja, é uma "carreira especial", à qual os restantes técnicos superiores não podem aceder automaticamente, defende.
Ciências Sociais
Só é admitido, por concurso, quem tiver licenciatura em Investigação Social Aplicada, Política Social, Psicologia, Serviço Social ou Sociologia.
Apoio aos tribunais
Os técnicos superiores de reeducação trabalham nas cadeias e os de reinserção com pessoas em liberdade. Os seus relatórios podem ser decisivos para os tribunais prenderem, libertarem reclusos ou internarem menores suspeitos de crime. Fazem ainda perícias da personalidade, avaliações psicológicas e relatórios sobre a aplicação de pulseira eletrónica, por exemplo, em casos de violência doméstica.