O teatro, como serviço público, merecia celebrar o seu dia com outra liberdade de perspetivas e existência real, defende o Teatro da Rainha, companhia que sexta-feira assinala a data, com espetáculos gratuitos nas Caldas da Rainha.
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O encenador Fernando Mora Ramos, responsável pelo Teatro da Rainha, questiona-se hoje se "há razões para celebrar este Dia Mundial do Teatro" (27 de março), que a companhia comemora na sexta-feira, num panorama em que "o estado do mundo é mau" e "o estado do nosso teatro, miserável".
Numa tomada de posição enviada hoje à agência Lusa, a companhia sediada nas Caldas da Rainha, defende que o teatro, "sendo um serviço público geral e universal, merecia estar a celebrar o seu dia com outra liberdade de perspetivas e existência real". Mas, para isso, "teria de estar entrosado com uma democracia culta e adulta", que o país "não tem".
Na visão do encenador, o teatro "é um antídoto esclarecido para a vida imposta pelo mercado, uma escola acerca do todo e do tudo, para todos" e, por isso, para que se celebre, "pressupõe que a democracia seja avançada como projeto de governação", e que o debate acerca dos "seus destinos e os modos da sua governação sejam qualificados, não o caos entrópico em que submergimos".
Nem "com um periscópio com uma lupa Hubble, iluminada, racional, nos safamos pelo modo como o mundo e o país caminham", sustenta Mora Ramos, aludindo à "quantidade de lixo informativo, publicitário, 'cultural'" em que, a negatividade dos acontecimentos reais, "sufoca todos e preenche os canais de comunicação".
Uma ideologia "do mercado que tudo caotiza", critica o encenador, alertando para "uma espécie de tentativa de extinção das artes da presença corporal e sua substituição por lógicas de entretenimento permanentes que provocam adição".
Aludindo ao "desvio de 50 milhões de perfis do facebook, ao serviço da eleição de um psicopata [Donald Trump]", Mora Ramos defende que celebrar um dia mundial do teatro "é ter a consciência" deste tipo de alegadas manipulações, "e praticar um teatro que democratize a vida, que abra as portas da imaginação a outro futuro neste em que estamos a viver e contra as suas 'inigualdades' e iniquidades constantes".
Lembrando que o teatro nasceu dos "rituais" e que é mais antigo que "a religião" ou a "política", sendo uma arte apostada em "espalhar uma alegria emancipada, não dependente de visões particulares nem de clubes", o encenador sublinha a importância de "conceber uma democracia cultural", em que existam cada vez mais estruturas teatrais, "cobrindo o território e as suas demografias assimétricas", e as companhias deixem de ser "favelizadas, marginalizadas" e a arte "esmagada nas suas potencialidades".
Ainda assim, para o encenador, mesmo sendo escassas as razões para celebrar o teatro a nível mundial ou nacional, a companhia das Caldas da Rainha diz ter "razões para celebrar um dia local do teatro", numa altura em que perspetiva a construção de uma nova sede "uma casa para um programa e uma equipa, não uma casa sem sujeito de projeto e com funções apenas de distribuição, sem razão de ser criativa".
E, por isso, naquele que poderá ser o último Dia Mundial do Teatro celebrado nas atuais instalações cedidas pela autarquia, a companhia abre as portas à população para sessões gratuitas do espetáculo "Dois Narizes Num Mar de Plástico", "destinado a todas as infâncias", criação de Nuno Machado, José Carlos Faria e Fernando Mora Ramos.
A peça, que alerta para a poluição dos oceanos, será apresentada às escolas às 15:00 e, ao público em geral, às 21:30, na Sala Estúdio da companhia.