Este ano uma boa parte dos alunos regressou às aulas com uma novidade na mochila. Entre cadernos, lápis e canetas tinham um "e-Manual". Versões digitais dos livros escolares que, libertos das limitações do papel, oferecem um sem número de ferramentas e animações que tornam o estudo muito mais divertido.
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Na realidade, é um livro mágico que há setenta anos não passaria pela imaginação dos professores que decidiram fundar uma Editora no coração da cidade do Porto.
"A Primeira fase do saber é amar os nossos professores", é com esta citação de Erasmo que a Porto Editora dá as boas vindas a quem a visita. E não é à toa que isto acontece. A empresa é o resultado do atrevimento de um grupo de professores que decidiram unir-se para criar uma editora na cidade.
Fizeram-no em tempos difíceis. Estávamos em 1944, "Portugal lutava por sobreviver e não ser envolvido na Guerra" mas havia uma perspetiva de que a guerra estava a chegar ao fim e que mais dia menos dia "se ia evoluir" recorda Vasco Teixeira, 59 anos, administrador e diretor editorial do Grupo Porto Editora.
A Porto Editora nasce com um foco muito claro em dois segmentos do mercado: "os livros escolares e os dicionários", que ao fim de um longo percurso de "investimento consistente", reúne hoje uma prestigiada coleção de 17 línguas minuciosamente dissecadas nos dicionários da Porto Editora.
Os Manuais dos Nativos Digitais
Este ano lectivo a Porto Editora investiu dois milhões de euros para disponibilizar a todos os alunos uma versão electrónica dos manuais escolares, sem custos adicionais. O que é que isto quer dizer? Simples. "É quase como se nós lhe fornecêssemos duas cópias do mesmo manual pelo preço de uma. Uma em papel e outra digital".
Este "e-Manual" é compatível com qualquer computador, tablet iOs ou Android. Descarregada a versão digital, o aluno tem acesso a todo o conteúdo, com a possibilidade de fazer anotações e aceder a ferramentas multimédia impossíveis de usufruir no suporte papel.
Vasco mostrou-nos alguns exemplos num e-Manual de físico-química. Numa certa página, um simples toque ativa uma animação sobre as formas de propagação de ondas sonoras. "É aqui que o digital tem realmente mais valias", "O aluno não tem de estar a ler texto para perceber isto." Este é um "valor acrescentado real", que para já será uma valência grátis destes e-Manuais.
Mas com esta medida, a Porto Editora não vaticina o fim do papel. Acredita que é na "complementaridade destes dois formatos que está a eficácia da aprendizagem". "Na sala de aula, mas sobretudo em casa, o aluno tem muito a ganhar em estudar pelo manual em papel, porque permite um meio mais fixo. Permite-lhe uma memória mais profunda."
Manuais para a vida
Gerações inteiras consolidaram conhecimentos sobre o país, as ciências e o mundo a partir de manuais Porto Editora. Neste segmento a empresa conquistou um estatuto de credibilidade e dominou uma boa fatia do negócio.
Aliás, quando editoras escolares espanholas começaram a apostar no mercado português, a Porto Editora deu um passo estratégico e decidiu comprar a Areal Editores e a Lisboa Editora, em 2001/2002. Como resultado, hoje as editoras do grupo publicam anualmente 10 milhões de livros escolares, quase todos eles impressos e produzidos no Bloco Gráfico, propriedade da empresa, inaugurado na Maia em 2000.
Para Vasco Teixeira, o manual escolar "tem o papel de ajudar os alunos a adquirirem competências, conhecimentos e a desenvolver aprendizagens", "é um instrumento central porque sintetiza toda a matéria que eles têm que estudar e trabalhar".
"A educação é um sistema muito dinâmico", "basta percebermos que todos os anos entram cem mil novas crianças sempre diferentes das que entraram no ano anterior". E os tempos mudaram. Antes "a dinâmica das aulas era praticamente expositiva, o professor despejava a matéria", mas "evoluiu-se muito e a educação hoje passa por dar a mesma oportunidade a todos, com os alunos a aprenderem com ritmos diferentes." Como consequência , "os manuais foram mudando para permitir essas estratégias e um ensino mais dinâmico, mais atual, menos expositivo."
Já sem falar das suas valências multimédia, atualmente o manual escolar é uma obra pedagógica complexa. Tem de "ajudar professores, alunos e pais", porque o manual também presta um "serviço aos pais que querem apoiar os filhos nos estudos".
Aliás, durante todo o processo educativo, a editora garante que realiza um trabalho que excede largamente as páginas de um manual escolar. "Fornecemos aos professores um conjunto de recursos para dinamizarem as aulas", por forma a torna-las mais vivas, dinâmicas e motivadoras. Uma faceta "com custos imensos que a generalidade da população não vê".
A Diciopédia é que sabe
Hoje o universo dos manuais electrónicos é um dado adquirido, mas resulta de uma história que vem de longe. "Começa em 1990" quando decidiram "informatizar o dicionário da Língua Portuguesa!" Este projeto quase laboratorial foi o suficiente para se perceber que "os editores teriam de assimilar competências em áreas que não tinham, como era o caso do software". Mas pela primeira vez, com um simples clique, passava a ser possível chegar num ápice a um significado.
Por isso, em 1995 uma equipa da empresa rumou aos Estados Unidos em busca das melhores práticas educativas com o recurso às novas tecnologias. Numa ida à Califórnia "visitámos empresas como a Netscape, onde nos mostraram o que seria o futuro da internet". Mas seria numa visita a uma escola piloto que Vasco Teixeira viveu um "momento eureka".
Numa sala de aula na penumbra, uma professora mostrava num ecrã de computador uma versão animada do funcionamento do ouvido humano acompanhada de uma locução. Em seguida, iniciou-se a discussão na aula com a "professora a estimular os alunos mais encolhidos, tímidos e preguiçosos". "O que mais nos impressionou foi a forma como se podia aprender com facilidade - estávamos ali a ver miúdos de 8 anos a compreenderem como funcionava o ouvido!"
Foi nesse momento que a equipa de Vasco percebeu que o Multimédia teria de fazer parte do futuro da empresa. E o primeiro passo foi a produção da primeira enciclopédia multimédia! Num primeiro momento ainda ponderaram comprar a tecnologia, licenciando conteúdos que seriam traduzidos para português, mas essa via acabou por não se concretizar.
Mesmo assim, avançaram. "Aumentou-se muito o risco, o esforço e o investimento", mas ficou o know how. "O ter de fazer, é muito duro para um país e um mercado pequeno".
O resultado desta primeira empreitada digital veria a luz do dia em Janeiro de 1997, e chamava-se "Diciopédia". "Foi um grande sucesso", vendeu mais de 500 mil exemplares e assumiu-se como "uma peça da estratégia". Teve 11 edições atualizadas, e os lucros foram sempre reinvestidos na criação de novas ferramentas e conteúdos que em última instância acabaram por criar as bases para a construção da plataforma de e-learning da Porto Editora - A Escola Virtual - um ecossistema usado hoje por cerca de 800 mil alunos e 90 mil professores.
"Os filhos da crise"
Mas a evolução demográfica portuguesa obrigou a Porto Editora a repensar o futuro. Vasco Teixeira tem números muito claros: "na década de 80 havia uma média de 200 a 250 mil alunos por ano", "no ano passado nasceram apenas 80 mil crianças". "São os filhos da crise"
No ano passado 102 mil as crianças inscreveram-se no primeiro ano. Será fácil fazer as contas e perceber que dentro de seis anos, haverá menos vinte mil alunos a ingressar no ensino básico. "Vão ser precisos menos 20% de professores, menos 20% de escolas... E claro está, menos manuais.
Perante esta realidade a PE começou por se focar na internacionalização, constituiu a editora "Plural Editores" em Moçambique (2002) e Angola (2005). Este ano lançaram a "Plural Editores Timor Leste". Os objectivos são claros: "editar livros de autores locais, utilizando o know how e todas as competências do grupo em Portugal". A expressão internacional do negócio não tem parado de crescer e já vale cerca de 13 milhões de euros.
Outro caminho alternativo passou pela aposta na literatura, com a compra do grupo Bertelsmann - que incluía o Círculo de Leitores e a Bertrand, em 2010.
"Para não ficar mais pequena, a Porto Editora precisava de encontrar mercados alternativos..." "E foi isso que se fez!" Hoje a PE tem o privilégio de somar um leque de autores de prestígio que inclui nomes como o Nobel Saramago e Sophia de Mello Breyner Andresen, passando pelos best-sellers Luís Miguel Rocha, Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto ou Luís Sepúlveda... Para Vasco não há segredos, os autores "sentem que há aqui um trabalho cuidado, que há uma atenção e um cumprimento rigoroso dos compromissos. E isso dá-lhes muita tranquilidade para sentirem segurança para o futuro...