Consegue imaginar o que é transportar as coleção da Inditex para lojas de todo o mundo? Além de roupa esta empresa portuguesa também agiliza o envio de qualquer tipo de carga, desde motores de aviões, até ao bacalhau que alimentou os jogadores da nossa seleção no Brasil. Ao fim de um ano, são setenta mil toneladas de mercadoria transportada, o equivalente a trinta e cinco space shuttles!
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Uma simples compra pode começar com um toque no ecrã. E quase como por magia, 24 horas depois, a encomenda chega-nos à porta de casa. Parece simples, mas por trás de cada clique está uma realidade bem analógica. Em todo o mundo há uma multidão de profissionais que têm de gerir as disponibilidades de transporte para ir ao encontro da urgência dos clientes, garantindo que as mercadorias chegam a horas.
Estes são os bastidores do universo dos transitários. Um negócio crítico num planeta que é hoje um imenso hipermercado, onde navios e aviões cargueiros, camiões e comboios ultrapassam fronteiras até chegar ao cliente final.
No caso da JTM - Join The Moment - é pelos céus que Carlos Magalhães, CEO da empresa, está habituado a trabalhar. Este engenheiro aeronáutico, formado em Inglaterra, "sempre gostou da área comercial, com contacto humano", e não se imaginava a passar a vida toda "num hangar a planear manutenções de aviões.".
Para este empresário de 42 anos, a piada está em dar vida aos aviões, preparar a carga, acondicioná-la e providenciar um transporte seguro e versátil do ponto A ao B, com o menor custo e no menor tempo possível.
Começou a carreira na KLM, mas ao longo da vida trabalhou em empresas de transitários e de agenciamento de companhias de aviação. Esta experiência multifacetada permitiu-lhe ficar a dominar os céus como poucos, e conseguiu criar uma equipa que com ele deu origem em 2011 à JTM. Hoje está no top dos líderes ibéricos de transporte aéreo.
Avião, a nova Arca de Noé do comércio internacional
A globalização está do lado do negócio. São "cada vez mais as empresas que trabalham a nível internacional, têm clientes, fornecedores e lojas em todo o mundo", e hoje mais do que nunca dependem do avião para alimentar a cadeia de abastecimento. O "Just in Time" é o grande trunfo num modelo de negócio onde "não há gestão de stocks!" Tudo é feito a pensar no momento.
Hoje a mercadoria "vem da China de avião, está aqui na Europa e dois dias depois pode seguir de novo para a China, Vietname, Singapura ou Estados Unidos". Nesse sentido o avião é a opção mais versátil. Mas os preços de combustível pesam na fatura, e torna-se cada vez mais difícil resolver o quebra-cabeças do transporte rápido, disponível e ao mais baixo preço possível.
No entanto, "Where there is a will, there is a way" (Onde há uma vontade, há um caminho). "Temos que ser criativos, arranjar soluções à medida do cliente", "também se costuma dizer que o não também é uma resposta", mas é algo que a JTM procura evitar pois "existem quase sempre soluções no mercado para resolver as solicitações dos clientes".
O barco também é um meio assegurado pela JTM. A partir dos portos de Leixões, Valência, Sines, Barcelona ou Algeciras passam mercadorias de grandes dimensões, normalmente destinadas à construção civil: "maquinaria pesada que não cabe num avião".
Neste ramo não existe bagagem fora do formato. A JTM já foi intermediária no transporte de tudo o que possa imaginar, desde roupa, a motores de aviões. "Até já transportámos um defunto e animais vivos, como lontras marinhas e peixes tropicais". E com mais notoriedade só mesmo o transporte dos mantimentos da Seleção Nacional para a Copa do Brasil.
Saber Fazer bem
"50% do nosso staff já esteve dentro de aviões, conhecem-nos de trás para a frente, de frente para trás." Se um camião TIR tem a capacidade de transportar um volume de carga nunca superior a 70 metros cúbicos, um Boeing 747 tem espaço útil (600 m3) para transportar o volume de mais de oito camiões, e com uma capacidade de carga máxima de 100 toneladas.
Conhecimentos como estes são valiosos para rentabilizar o espaço disponível das aeronaves, embalar a mercadoria corretamente e evitar "acidentes de percurso".
50 pessoas integram a equipa da JTM, "colaboradores dinâmicos e motivados". Foi com know how da empresa que desenvolveram o software com que a JTM trabalha. Uma solução "taylor made", compatível com as "transmissões electrónicas das companhias de aviação de todo o mundo". E neste caso, o software até poderá um dia ser comercializado: "está patenteado, legalizado e em contínuo desenvolvimento".
JIT HANDLING: Uma Empresa "A la Carte" do grupo Inditex
O grande responsável pela liderança ibérica da JTM no transporte aéreo é um cliente estratégico: o Grupo Inditex que todas as semanas preenche mais de 15 aviões cargueiros, que levam a roupa de marcas como a Zara, Pull & Bear e Stradivarius para todo o mundo.
Mas a ligação de Carlos Magalhães à empresa espanhola é anterior à própria JTM. Ainda ele trabalhava na holandesa KLM, quando em 1998 o transporte aéreo começava a ser usado experimentalmente pela Inditex para levar as roupas até às lojas que começavam a abrir nos Estados Unidos, Brasil ou Médio Oriente.
Uma crise na KLM levou a empresa a abandonar o negócio com o grupo espanhol e a despedir 5 000 pessoas. Carlos Magalhães seguiu outro rumo. Mas os caminhos da empresa espanhola e do engenheiro aeronáutico português voltariam a cruzar-se, quando a própria Inditex precisou de ajuda para modernizar a expedição da mercadoria para transporte aéreo.
Carlos Magalhães aceitou o desafio e protagonizou uma revolução nos centros de distribuição do grupo, começando pela Corunha. "Conseguimos demonstrar o futuro". Hoje estes centros do grupo espanhol dispõem de serviços de despacho alfandegário interno e de plataformas de paletização que permitem preparar a mercadoria para as dimensões das aeronaves.
Com a ligação da JTM à Inditex nasceu a "JIT Handling", uma subsidiária focada no mercado espanhol. É "uma empresa a la carte para o grupo Inditex", mas que também presta serviços a qualquer companhia de aviação.
O Hub da Inditex
Em Zaragosa "está o hub de operação de aviões cargueiros". Operam 15 aviões por semana e é neste interface que conflui quase toda a mercadoria do grupo. A "Emirates é neste momento a companhia mais contratada", e os principais destinos são a "Ásia, Austrália, Médio Oriente e a América Central".
Nesta diáspora, a JTM é o cérebro controlador de todos os processos logísticos e burocráticos por trás de cada envio, "desde a planificação na origem, à comunicação com o departamento de exportação do grupo Inditex".
À segunda-feira começa-se a preparar o primeiro ciclo de transporte para as mercadorias que "têm de chegar às lojas à quinta-feira, para assegurar as vendas de fim de semana". O segundo ciclo sai às sextas, para que a mercadoria seja "despachada durante o fim de semana e possa chegar às lojas na segunda feira".
Não é tarefa fácil. A preparação dos envios faz-se com base em previsões e há sempre alterações de última hora que é preciso ajustar. "Às vezes temos de fazer trocas de companhias de aviação, mudar as operações, e reetiquetar mercadoria".
E não há margem para erros. "A nossa responsabilidade termina até a mercadoria ser despachada e entregue nas lojas", pelo que qualquer atraso custa caro. "Cada dia que a mercadoria falhe o voo previsto, há uma perda 33% nas vendas das lojas, e na semana seguinte "tendo mais stock, as lojas solicitam o envio de menos mercadoria".
Voar para o futuro
De olho no mercado dos PALOP, abriu este ano o primeiro escritório em Lisboa com uma equipa de 3 pessoas. A par deste passo, quando olha para o futuro, Carlos Magalhães quer desenvolver em Portugal e em Espanha, a vertente de "GSA", o "negócio de agenciamento de companhias de aviação", prestando serviços a qualquer transitário do mercado. Espanha vai continuar a ser a "grande aposta" por razões evidentes: "é um mercado de cinquenta milhões de pessoas".
Neste momento, os números da empresa já são avassaladores. Com mais de 70 mil toneladas transportadas num ano e em mais de mil voos, - revisto o "conta quilómetros" da empresa - o somatório anual chegará aos sete milhões de quilómetros sobrevoados! O equivalente a fazer 9 viagens de ida e volta até à lua.
Carlos Magalhães nunca se interessou muito pelo nosso vizinho mais próximo "porque por lá não há nada para transportar!" mas garante que "nunca se pode dizer que desta água não beberei!"