A estreia de Eddie Vedder, vocalista dos Pearl Jam, a solo em Portugal levou ao Festival do Sudoeste, na Zambujeira do Mar, 32 mil pessoas. Apesar de o músico se apresentar sozinho em palco, os Pearl Jam foram evocados ao longo de todo o espetáculo.
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O cenário em cima do palco, decorado com uma mala de viagem, um projetor e mais alguns adereços, criava um ambiente íntimo, ideal para ver chegar o homem dos Pearl Jam, mas desta vez sem a banda.
O ukulele, de seu nome "Clarence", fazia adivinhar que as canções do segundo disco a solo de Eddie Vedder, "Ukulele Songs" (2011), seriam as primeiras a soar na Herdade da Casa Branca. E assim foi, com "Can"t keep" e "Without you" a mostrarem uma outra faceta do músico.
"Nunca toquei sozinho para tanta gente, mas com vocês aqui não me sinto sozinho", confessou, em português, socorrendo-se de uma cábula, a que viria a recorrer mais vezes ao longo da noite. Eddie Vedder conhece a legião de fãs que os Pearl Jam têm em Portugal e do estatuto que goza deste lado do Atlântico. E retribui essa afeição de forma genuína.
As canções dos discos a solo cedo deram lugar aos muito desejados temas dos Pearl Jam, que aos primeiros acordes deixavam o público num frenesim. As canções são as mesmas, apenas mais despidas e íntimas, mas a cavalgar a plateia na poderosa voz de Vedder.
"Elderly woman behind the counter in a small town", "I am mine" e "Sometimes" foram as primeiras a transportar o público para território sagrado dos Pearl Jam, mas não faltaram "Just breath", "Better man" ou "Wishlist", que surgiram lado a lado com temas como "Far behind", da primeira aventura de Eddie Vedder a solo - a banda sonora do filme "O lado selvagem", de 2007.
Ao universo dos Pearl Jam voltaríamos novamente no primeiro encore, com um gole de vinho alentejano a aquecer a alma para "Unthought known" e "Last kiss". Antes, uma bela versão de "You"ve got to hide your love away", dos Beatles, esculpida pela guitarra e harmónica de Vedder.
Glan Hansard, que o tem acompanhado nesta digressão - e com quem Vedder tinha subido ao palco ao cair da noite - acompanhou o músico dos Pearl Jam em "Society" e "Slepless nights", dois temas da discografia a solo de Eddie Vedder. Os dois formam uma dupla bastante interessante ao vivo, com as vozes e as guitarras a entrelaçaram-se numa cumplicidade conquistada em meses de estrada.
Ao longo de duas horas de concerto e mais de duas dezenas de canções, o vocalista dos Pearl Jam mostrou-se claramente entusiasmado com a forma como estava a ser recebido pelos milhares que se encontravam em frente ao palco, partilhando histórias e palavras amáveis, em inglês e em português.
Antes da despedida, o músico - que é um apaixonado por surf e pelas ondas portuguesas - lamentou o encerramento do Ribeira Surf Camp, na Ericeira, e apelou a todos os presentes para que se mobilizassem em defesa daquele espaço dedicado ao surf, que Vedder tão bem conhece.
"Rockin" in a free world", de Neil Young, foi a escolhida para encerrar o concerto. Um pequeno problema técnico impediu que a primeira parte da canção se ouvisse, mas Vedder não vergou e continuou a cantar até que alguém fizesse a sua voz voltar a chegar à multidão.
Antes, foi a vez de James Morrison voltar a pisar o palco principal do Sudoeste, onde já tinha atuado em 2010. Em frente ao palco, grupos de raparigas esvoaçam ao som das canções pop de Morrison, de braços abertos e peito feito para deixar entrar o romantismo que atravessa a maioria das letras.
Morrison é rapaz esforçado e entrega-se de corpo e alma a cada canção. "You Give Me Something" e "Wonderful World", êxitos incontornáveis e que muito contribuíram para o sucesso de que o músico britânico goza neste momento, foram deixados para o final.
"Vir tocar ao palco principal do Sudoeste é um objetivo cumprido", afirmou Richie Campbell, que depois de ter atuado no palco reggae em 2009 e 2010 deu o salto para o palco nobre da Zambujeira do Mar. O músico português protagonizou o primeiro momento de grande agitação da noite, ao pôr milhares de festivaleiros eufóricos aos saltos.
Campbell aproveitou a passagem pelo Sudoeste para testar junto do público algumas canções do novo disco, que deverá sair em setembro. Para tal, convidou Ikaya, que veio diretamente da Jamaica para o sudoeste alentejano para interpretar "Love is an addicition".
Mesmo não conhecendo as canções, o público não resiste às batidas e a moldura humana ia ondulando com cada vez mais gente a compô-la. Para Campbell, esta noite foi uma aposta ganha.
Curiosamente, ao mesmo tempo, seriam pouco mais de 300 aqueles que no palco Meo Reggae Box assistiam a dois históricos do reggae: o baterista Sly Dunbar e o baixista Robbie Shakespeare. A dupla é uma das secções rítmicas mais respeitadas na cena reggae e veio ao Alentejo distribuir momentos de jazz-reggae e de um dub espacial a desbravar caminhos na cabeça - e tudo assim: cornucopiamente.
Integrando o colectivo Jamaican Legends, os músicos foram investindo por outras áreas e receberam o Bitty Mclean, um cantor que, enfim, acabou por estragar a viagem. Felizmente eclipsou-se pouco depois. E Robbie Shakespeare lançou a comoção com "Redemption Song" tocada ao teclado.
Pouco depois, os Dreadzone prosseguiram a peregrinação estratosférica com um dub reggae enriquecido por contaminações eletrónicas que saltavam de um laptop a coadjuvar a banda. Numa linha não muito distante de uns Dub Syndicate ou Zion Train, não escassearam as boas vibrações de uma música que nos obriga, irresistível, a ondular o tronco.
O segundo dia de concertos na Herdade da Casa Branca, na Zambujeira do Mar, arrancou com Glen Hansard, o homem que tem acompanhado Eddie Vedder nesta digressão. Ator, cantor e compositor com provas dadas - vencedor do Óscar de "melhor canção original" em 2008 -, Hansard conseguiu surpreender os que ao final da tarde circulavam pelo recinto quando, no final do concerto, se fez acompanhar por Eddie Vedder para uma versão de "Drive all night", de Bruce Springsteen.
O dueto apanhou todos os presentes de surpresa e atraiu para perto do palco dezenas de pessoas, que nem queriam acreditar que Eddie Vedder, o cabeça de cartaz da noite, acabava de subir ao palco.
A noite terminou com o hip-hop rafeiro do britânico Example, um pé no rock pastilhado, outro no reggae de brancos - e nada ali com predicados. Seguraram uns resistentes 10 mil, alguns ébrios que corriam de um lado para o outro.