Padre Maia: “Escandalizam-me mais os prémios dos gestores do que dos jogadores”
O Padre José Maia, presidente da Filos, falou ao "Flash Interview" do JN.
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Perde clientela para a eucaristia quando a celebra à hora dos jogos do Mundial?
Não! Isso era antes. Quando o futebol era à quarta-feira, havia quem faltasse à reunião. Agora, com futebol de manhã, à tarde e à noite, já não é assim. Podemos organizar-nos independentemente do futebol.
Costuma ver os jogos da selecção?
Se estou em casa, gosto de acompanhar – não o desporto em geral, que não vejo, mas a selecção, sim, e um campeonato da natureza do Mundial.
E pragueja? Ou é pecado?
Não. Rio-me, porque os meus colegas enervam-se muito. E eu estou ali na desportiva. Não é uma virtude; é feitio.
Portugal ganhou à Coreia do Norte por sete golos. Na Bíblia, que significado tem o número 7?
É o número perfeito, sete sacramentos, sete dias da semana. E foi ao sétimo dia que Deus descansou.
No mesmo dia, ficámos a saber que o desemprego atingiu 12,5% no Norte, um recorde histórico. Passámos do inferno ao céu no futebol, mas na economia não saímos do purgatório?
Se a economia estivesse no purgatório já não era mau. Nem sabemos onde está, porque não nos dizem toda a verdade. Mas se está o purgatório, corre o sério risco de ser chamuscada pelo inferno. Porque 12,5% de desemprego é estar no inferno, é o verdadeiro Cabo das Tormentas, bem longe do Cabo da Boa Esperança. Costumo dizer que somos o país dos heróis do mar, mas temos demasiados piratas em terra.
Se Portugal passar aos oitavos de final, como se espera, cada jogador irá ganhar 50 mil euros. Consegue ver um jogo e ignorar o jeito que aqueles prémios dariam a instituições de solidariedade?
Escandalizam-me mais os salários e os prémios de gestores públicos, de gente ligada à banca que se apropria do capital financeiro, do dinheiro que pagamos pelos impostos. Incomoda-me a gente que vive cheia de mordomias à custa dos partidos. É um escândalo! Esse é o verdadeiro motivo de protesto social. As pessoas não entendem. Há um estudo que diz que os portugueses ganham, em média, 55% menos que os cidadãos europeus; e os gestores, esses de quem falo, ganham, em média, mais 22%. Isso dá-nos a noção de grandeza da desigualdade social em que vivemos. Temos uma classe política cheia de políticos com pouca classe. Oxalá Deus nos ofereça alguma Coreia do Norte no jogo com a economia.
Chegou a cantar a “Grândola, Vila Morena” durante a missa. Também seria capaz de cantar a canção escolhida pela selecção?
[Risos] Não, não, o contexto é outro! Repare, se está a chover levo o guarda chuva, não levo uma coisa para o sol!