Não se deve julgar um livro pela capa. O mesmo se aplica às empresas. A "sede" da Dosapac está num local insuspeito, uma zona residencial de Valongo. Cá fora dificilmente se percebe qual é o âmbito da empresa. O nome também não ajuda. Mas lá dentro descobrimos uma organização que emprega 23 funcionários, fatura cinco milhões de euros, quatro dos quais além fronteiras. Como chegou aqui, é uma história que se confunde com o percurso de José Mota, um engenheiro electrotécnico que do ambiente à gestão técnica de edifícios inteligentes não se cansa de procurar novos desafios.
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Aos 44 anos, José Mota é um homem que continua insatisfeito. Nunca gostou de estar parado muito tempo no mesmo lugar. Percebeu-o em 1992, pouco depois de terminar o curso.
Teve um primeiro emprego na extinta "Texas Instruments", então instalada na Maia. Foi-lhe entregue o sector da "engenharia de teste" cuja responsabilidade passava por testar os microprocessadores e circuitos integrados fabricados. "Ao fim de três meses pedi para ser substituído, percebi que estar num ambiente fabril não era algo que me desse muito prazer".
Procurou alternativas. Cruzou-se com a "PromMinent" uma multinacional alemã, que o "desafiou a abrir o escritório de representação no Porto". Assim o fez. A função era essencialmente comercial, e tecnologicamente o foco do produto estava na automação.
Daí deu o salto para uma empresa similar onde "recomeçou do zero" e do zero rapidamente "estabeleceu uma nova base de clientes fieis". Foi esta dose de autoconfiança que em 1995 lhe permitiu "achar que poderia fazer o mesmo, mas desta vez sozinho". E assim nasceu a "José Mota Equipamentos e Serviços" focada no sector ambiental.
Mas afinal o que é hoje a Dosapac?
O nome remete para a área ambiental, "em sistemas de doseamento e controlo de produtos químicos" usados no tratamento da água para abastecimento público. Já o "Pac" remete para as soluções "que passam pela instalação eléctrica, automação e a instalação de sistemas de monitorização."
As origens desta vocação ambiental remontam a uma altura em que no que toca à qualidade da água havia um enorme vazio legal. Muitas câmaras municipais foram-se "apercebendo de que a água que vendiam aos utentes deveria ser devidamente tratada e controlada."
Aos problemas de qualidade somavam-se as limitações da rede de abastecimento. Foi neste cenário que a tecnologia comercializada pela empresa de José Mota assumiu uma posição charneira para ajudar a mudar este paradigma. No caso dos reservatórios de água "passámos a fazer o doseamento da desinfeção."
"Controlamos o PH e o Cloro" porque se a água foi comprada potável, "temos de a manter assim ao longo da rede". A água pode estar armazenada em reservatórios entre uma hora a várias semanas até ser vendida ao cliente final." E esta tecnologia permite que a qualidade não se perca nestes compassos de espera.
Hoje a tecnologia da Dosapac está espalhada um pouco por toda a zona norte mas de longe o melhor cliente é o concelho de Vila Nova de Gaia, onde há "35 reservatórios, que há 15 anos são desinfectados em tempo real com tecnologia" da empresa.
Neste momento esta fatia do negócio representa apenas 10 a 15% da faturação nacional. No mercado externo os valores ainda são pouco expressivos, mas é algo que em breve poderá mudar.
Internacionalizar a Tecnologia
José Mota não tem dúvidas de que é para novas latitudes que vai dirigir esta vertente ambiental do negócio. "O que nos fez olhar para esta área do ambiente com outros olhos, além do potencial óbvio de exportarmos o ciclo que tivemos há vinte anos em Portugal, é o facto de que agora os países em vias de desenvolvimento" estão a passar por esse mesmo ciclo.
Recentemente, e ao abrigo da política de responsabilidade social da empresa junto de instituições cabo-verdianas ligadas ao desporto, a Dosapac celebrou um protocolo com o Estado Cabo-verdiano e "ofereceu um sistema topo de gama para um primeiro reservatório na ilha de Santiago".
Foi um pequeno passo para a Dosapac, mas um grande passo para o que pode vir a ser uma aposta firme em mercados: onde "continuam a existir oportunidades na mesma proporção de que há falta de água com qualidade".
Da água aos solos
Agora José vira-se para terrenos "insuspeitos", isto porque a próxima meta da empresa é apostar no ramo da avaliação ecotoxicológica dos solos, com vista a prever cenários de reabilitação dos mesmos para todo o tipo de fins. Para o fazer, a empresa incorporou na administração Álvaro Sousa, um engenheiro químico, que trouxe um "acréscimo de know how", que "nos permite estar neste momento já em negociações com algumas petrolíferas na Alemanha e no Kuweit".
Além de abrir o "leque potencial da faturação" soma-se o peso da responsabilidade e da exigência de uma área tão específica. Estamos a falar por exemplo, de "refinarias e unidades industriais com zero graus de emissão e zero fugas de poluentes para o solo", o que exige uma monitorização e recolha de dados no terreno.
José Mota dá-nos ainda outro exemplo comercialmente ambicioso: "Imagine um terreno de mil hectares no Kuwait, mas onde no passado houve produção de armamento, combate, ou um derrame propositado de produtos químicos nocivos". Qualquer dono prevenido "antes de investir cinco biliões de dólares a construir uma nova cidade ali, quererá ter a certeza de que o solo está em condições do ponto de vista toxicológico. E se não estiver, há que avaliar as medidas certas a tomar ou então abandonar o terreno se a solução for demasiado onerosa.
Neste campo "minado" onde se preveem muitos desafios, a Dosapac conta com parceiros de peso: o Ecotoxicology and Soil Science Department do "NSERCCA" - o Natural Sciences and Engeneering Research Council of Canada - que segundo José Mota é a "maior referência do mundo nesta área, e ainda a "Universidade de Coimbra - onde temos investigadores e professores capazes de serem o topo mundial da ecotoxicologia."
Edifícios automatizados para serem inteligentes
Da próxima vez que visitar um quarto de hotel, não voltará a olhar para torneiras, interruptores de luz, ou para o ar condicionado da mesma forma. José Mota explica-nos porquê: "Um hotel de quatro estrelas, normalmente tem um custo por noite de água e energia à volta de 8/9 euros por quarto", mas recorrendo às soluções de gestão técnica e de automação da Dosapac, consegue-se optimizar esses gastos "baixando para seis ou sete euros por quarto".
O desafio da gestão técnica de edifício está em "abastecer água, ar e energia em quantidade e qualidade suficiente" e "tudo faz parte dos custos de um edifício." E é aqui que se encontra o ponto mais crítico do modelo de negócio: recorrer a toda a tecnologia disponível que permita que "um edifício funcione com todos estes parâmetros bem regulados e ao menor custo."
O que nem sempre é fácil, quando a empresa é chamada a intervir e os edifícios já estão construídos para serem sorvedouros de energia. "Se o construtor e o investidor decidiram virar o edifício a sul, com uma fachada em vidro e com uma caixilharia péssima, é óbvio que dentro dessa realidade ainda há algumas questões onde podemos ajudar" com o recurso a "uma climatização forçada durante os períodos em que a energia é mais barata, e não climatizando durante o dia ou nos períodos em que a energia é mais cara".
Sistemas Chave na Mão
Neste mercado não há médias que se possam generalizar nem valores de referência que sirvam de exemplo, mas José Mota tem o foco no cliente. E "o que nos interessa é que o cliente compreenda que em vez de investir "100" no nosso sistema, ao investir "200", poderá vir a recuperar "100" todos os anos." E quando isto acontece, "o melhor negócio foi o da aquisição da gestão técnica."
Outra das vantagens das soluções da Dosapac está na informação que são capazes de produzir e que permite ao cliente final, ao dono do edifício que paga a conta eléctrica, perceber onde estão a acontecer assimetrias e desvios aos padrões normais de consumo.
Toda essa informação está integrada num interface - o Dosapac Building Management Software - que agrega todos os dados de variáveis como a temperatura, gastos energéticos e de água, sistemas de ar condicionado, dados recolhidos em tempo real em todos os edifícios do cliente onde a plataforma esteja instalada.
Neste negócio, a Dosapac tem uma rede de clientes privilegiada que abarca cadeias de hotelaria e hipermercados em Portugal e no estrangeiro. À data da realização desta entrevista, José Mota estava a negociar com um dos maiores fabricantes de equipamentos desportivos do mundo a possibilidade de fornecer a gestão técnica automatizada de 100 lojas da marca em toda a Europa. Um acordo de confidencialidade não o permite revelar de que marca se trata, mas avança que "se formos bem sucedidos, já haverá novo desafio na América do Sul".