Da indiferença suscitada pelos temas mais recentes à previsível euforia que as músicas da fase áurea desencadearam , o concerto dos Smashing Pumpkins - o derradeiro do primeiro dia do Festival Marés Vivas - foi um somatório de emoções diversas. Tão ao agrado, afinal, de uma personalidade carismática e contraditória como a do seu líder e fundador.
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O reconhecido ego gigantesco de Billy Corgan paira por certo muito acima de tais minudências, mas, mesmo até para quem liga pouco às opiniões alheias - ao ponto de manter a designação da banda, apesar de ser o único elemento da formação original -, a discrepância de reações entre os temas atuais e os antigos deverá provocar algumas mossas no orgulho.
Uma evidência que o próprio reconheceu quando dedicou um tema do recente "Oceania" (ou "Insonia", como gracejou alguém da plateia, numa alusão ao cerrado experimentalismo dominante) "às cinco pessoas que compraram o disco".
Em contraste absoluto com o distanciamento quase glacial destas músicas estiveram os temas extraídos do celebrado "Mellon collie and the infinite sadness", saudados com ardor por uma assistência multigeracional.
Alicerçado numa sedutora componente visual, com um ecrã gigantesco que exibia imagens de forte aparato, o espetáculo teve o condão de escapar aos unanimismos fáceis que tantas vezes escondem uma mediocridade confrangedora. Menos mal.
Regresso ao... presente
Há regressos e regressos. Se a maioria das bandas que optam por voltar ao ativo fá-lo mais por questões de ordem monetária do que estética, no caso dos Bush não será excessivo especular que a vontade de tocarem juntos falou mais alto (embora o dinheiro não seja certamente fator de somenos importância, sobretudo agora que os 'roayalties' já não são o que eram...).
O concerto que a banda de Gavin Rossdale protagonizou no festival gaiense foi um exemplo cabal de como há reuniões que fazem sentido. O apogeu da banda pertence definitivamente ao passado? Sem dúvida, ou não fosse a sua sonoridade tão representativa de uma época - anos 90 - que ficou para trás. Mas quem é capaz de assegurar um concerto com a segurança e vitalidade demonstrada por estes rapazes já quarentões avançados, só pode estar tranquilo quanto ao respetivo legado.
Prova do controlo e autoconfiança dos autores de "Sea of memories", o mais recente disco, foi o facto de não se terem limitado a exibir os velhos êxitos, guardando-os estrategicamente para o fim para simularem deste modo uma apoteose forçada. Interpretando temas mais recentes, desconhecidos da maioria, ou ousando uma 'cover' ("Come together") dos sagrados Beatles, os Bush não só terão enchido as medidas dos fãs de sempre como terão conquistado adeptos junto da faixa 'teenager', também representada na plateia.
We Trust cumprem sonho
O inesperado cancelamento dos Beware of Darkness permitiu que os We Trust, atuassem imediatamente antes dos Bush e Smashing Pumpkins, estrelas maiores do primeiro dia do Festival Marés Vivas.
Uma responsabilidade acrescida que não atemorizou André Tentúgal, vocalista do projecto que, em entrevista ao JN uma hora antes do espectáculo, confessou ter sido "fã de ambas as bandas" nos idos da adolescência. "É fantástico atuar num festival com uma envolvência como esta", assegurou.
Com uma formação alargada em palco, na qual os sopros estiveram em evidência, os portuenses não enjeitaram a oportunidade de mostrar o seu trabalho a uma assistência numerosa, que respondeu com agrado à pop eclética e elegante.
A contagiante fusão de rock e kuduro dos The Throes + The Shines teve merecidas honras de abertura do Marés Vivas, no placo secundário.
Chegaram como desconhecidos da esmagadora maioria, mas, no final, terão arregimentado umas novas largas dezenas de apaniguados para a sua nobre causa de atear euforia por onde passam. Oriundos de Gaia, os The Throes + The Shines mostraram a uma plateia entusiasta os rudimentos do rockduro, género de que são exímios cultores e esteve na origem para atuarem no prestigiado festival de Roskilde, na Dinamarca, um dos maiores na Europa. E se é impossível deixar de pensar nos consagrados Buraka Som Sistema quando se escutam os temas invariavelmente dançáveis do grupo, é justo, porém, reconhecer que conseguem ser mais do que simples epígonos de Kalaf e seus pares.
Os constantes apelos à dança por parte do quinteto ajudaram a conquistar até os renitentes, mesmo que a maioria dos presentes no recinto, ainda longe da aguardada enchente, não abdicasse da tradicional disputa pelos mais variados brindes publicitários.
Da garagem para o festival
Após a celebração do rockduro, seguiram-se os barcelenses Glockenwise. Com doses fartas de energia, levaram o seu garage rock assaz cru a uma plateia já a contar os minutos para a abertura do palco principal. Ficaram os resistentes, em número suficiente para que o jovem grupo abandonasse o palco com a sensação de dever cumprido.