Ao fim de 14 dias à espera de autorização para atracar em Lampedusa, Carola Rackete desafiou as normas estabelecidas pelo Governo italiano e tentou desembarcar os 42 migrantes a bordo do navio da ONG Sea Watch. O poder não deixou. A capitã continua no mar.
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Justificando a ousadia com "razões humanitárias extremas", o navio humanitário "Sea Watch 3" rompeu, na quarta-feira, o bloqueio imposto pelo governo italiano e entrou em águas do país para fazer o desembarque dos 42 migrantes, que estavam há 14 dias no Mediterrâneo à espera de autorização para pisar solo italiano.
Apesar da bravura da capitã, a alemã Carola Rackete, que pode enfrentar um processo judicial, o navio foi intercetado pelas autoridades do país a três milhas do porto da ilha de Lampedusa e continua hoje no Mediterrâneo. Rackete explicou que os agentes fronteiriços supervisionaram os passaportes da tripulação e estão à espera de receber instruções superiores, informou o diário italiano "Repubblica".
O barco da organização não-governamental alemã Sea Watch resgatou, a 12 de junho, o grupo de migrantes, que estava a bordo de um bote de borracha ao largo da Líbia. De acordo com um novo decreto assinado por Salvini, os responsáveis pela ONG e a capitã de 31 anos arriscam por isso pena de prisão por suspeita de ajuda à imigração ilegal.
O ministro do Interior italiano expressou a proibição de os migrantes do barco desembarcarem em Itália, a não ser que outros países de UE se comprometessem a aceitá-los. "Ninguém desembarca, a menos que alguém se responsabilize imediatamente" por fazê-los chegar aos Países Baixos, Alemanha ou Bruxelas, advertiu Salvini, notoriamente melindrado com a decisão da ONG.
Na terça-feira, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos rejeitou um recurso da Sea Watch que pedia medidas excecionais que obrigassem o Governo italiano a autorizar o desembarque das 42 pessoas e pediu às autoridades italianas que "continuassem a fornecer toda a assistência necessária" às pessoas vulneráveis a bordo da embarcação. O grupo inicial de migrantes resgatados era composto por 53 migrantes, mas 11 foram autorizados a desembarcar por serem considerados frágeis.
Carola Rackete "pagará as consequências", promete Salvini
Numa mensagem em direto dirigida aos seguidores no Facebook, o também vice-primeiro-ministro italiano acusou Bruxelas de ameaçar abrir um processo de violação, deixando o país "sozinho" na luta de anos contra a imigração. E deixou claro que Carola Rackete "pagará as consequências" e deverá responder perante a lei italiana, que contempla a detenção dos comandantes dos barcos de resgate pertencentes a ONG que levem migrantes para terras italianas.
Do outro lado, a Sea Watch continua os apelos habituais. "Já se passaram 23 horas desde que o Sea Watch 3 entrou em águas italianas por necessidade. Fomos forçados a fazê-lo porque, durante duas semanas, nenhuma instituição da União Europeia assumiu a responsabilidade. Temos que continuar sozinhos ou há alguém que se lembre do dever de proteger a vida no mar?", questionou a ONG numa mensagem deixada no Twitter esta quinta-feira.
Roubo de identidade no Twitter para angariar dinheiro
Nos últimos dias, alguma imprensa deu conta de várias publicações alegadamente feitas por Carola no Twitter, em que a capitã fazia um balanço da situação e elencava as suas motivações, além de, segundo a Sea Watch, angariar dinheiro para os migrantes. Apesar do discurso credível, as mensagens deixadas foram rapidamente desacreditadas pela ONG.
"A nossa comandante Carola não tem uma conta pessoal no Twitter. De momento, estão a aparecer algumas contas falsas com angariadores de fundos que não pertencem à Sea Watch", escreveu a organização humanitária no Twitter.
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Português também enfrenta risco de prisão
O jovem português Miguel Duarte, de 26 anos, foi constituído arguido em 2018 na sequência do seu trabalho a bordo do Iuventa, um navio de resgate da organização não governamental alemã Jugend Rettet. Está atualmente, a par de mais nove colegas do mesmo grupo, sob investigação em Itália por suspeita de ajuda à imigração ilegal. O caso, que está a ser analisado na Procuradoria de Trapani, na Sicília, poderá resultar tanto no arquivamento como na dedução de acusação. Nesse caso, Miguel Duarte pode ser punido com uma pena de até 20 anos de prisão e ao pagamento de uma multa de milhares de euros.
No início desta semana, o presidente da Assembleia da República transmitiu ao homólogo italiano a apreensão do Parlamento com o processo de Miguel Duarte, defendendo que o jovem português "agiu por razões humanitárias". Na quarta-feira, o presidente da República garantiu que "o Estado português está a fazer o que é preciso e possível, a nível legal, para proteger todos os cidadãos" que estão na situação de Miguel. Antes, já tinha dito não entender a acusação uma vez que, para o direito português "defender a vida é uma obrigação", estranhando que não o seja "para outros direitos".