"Adereço teatral", "palhaço", "patético". Hostilidade antecipa reunião russo-ucraniana
A primeiras conversação direta entre Kiev e Moscovo em três anos, planeada nos últimos dias após Vladimir Putin propor o encontro, não contará com o chefe de Estado da Rússia. A reunião na Turquia, prevista para começar esta quinta-feira, ocorre num clima de incerteza e desconfiança – e declarações inflamatórias.
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O diálogo, proposto pelo líder russo no fim de semana após um ultimato de Kiev e de aliados europeus, deverá acontecer na “segunda metade do dia”, segundo a porta-voz da diplomacia de Moscovo, a pedido da Turquia. Apesar das expectativas, as negociações não serão no mais alto nível diplomático.
Putin não estará presente em Istambul, bem como os ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros. A delegação da Rússia será encabeçada por Vladimir Medinsky, conselheiro presidencial e ex-ministro da Cultura. Já o presidente ucraniano deslocou-se para Ancara para encontrar o líder turco, Recep Tayyip Erdogan, com um oficial sénior de Kiev a dizer que Volodymyr Zelensky vai decidir os próximos passos sobre as negociações após a reunião.
“Estamos em contacto com o lado americano, acredito que também estarão presentes na Turquia a um nível alto”, comentou o chefe de Estado ucraniano, citado pelo jornal britânico “The Guardian”, ao chegar à capital turca. “Quanto aos russos, veremos. Nada foi confirmado oficialmente, mas, pelo que observámos, parece mais um adereço teatral do que algo sério”, declarou.
A diplomacia russa, através da porta-voz Maria Zakharova, classificou o presidente ucraniano como um “palhaço” e um “perdedor”. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, considera Zelensky “patético” devido às exigências da presença de Putin.
O mistério sobre como e quando – e se – acontecerá o encontro em Istambul tem deixado Washington “impaciente”, admitiu o secretário de Estado norte-americano. “Ele [Donald Trump] está aberto a praticamente qualquer mecanismo que nos leve a uma paz justa, duradoura e duradoura, e é isso que ele quer ver”, acrescentou Marco Rubio, que está em Antália, também na Turquia, para uma reunião da NATO.
Em périplo pelo Médio Oriente, Trump disse esta quinta-feira, no Catar, que poderá ir a Istambul na sexta-feira caso veja progresso nas negociações entre Kiev e Moscovo. Ao ser questionado sobre a ausência de Putin, o líder da Casa Branca respondeu: “Porque é que ele iria se eu não vou? Porque eu não iria. Eu não estava a planear isso. Eu iria, mas não estava a planear ir”, salientou.
O que querem os dois lados
A Ucrânia aceitou a proposta norte-americana e quer um cessar-fogo imediato, total e incondicional de 30 dias. A Rússia, por sua vez, propôs tréguas unilaterais temporárias na Páscoa e durante as celebrações do Dia da Vitória – as quais Kiev acusou Moscovo de violar. Putin chegou a admitir que uma pausa nos conflitos pode ser acordada nas negociações em Istambul.
Na questão territorial, a Ucrânia rejeita reconhecer os territórios anexados pela Rússia – a Crimeia, em 2014, e as regiões de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson, em 2022. Moscovo não tem o controlo total destes últimas quatro, apesar de reivindicar a sua totalidade. As tropas russas continuam, todavia, a avançar, tendo anunciado, esta quinta-feira, a tomada de duas aldeias em Donetsk. Zelensky chegou a reconhecer que Kiev provavelmente terá de assegurar o retorno destes territórios através de negociações diplomáticas.
Uma das “causas-raiz” da invasão russa, a entrada ucraniana na NATO, já foi descartada pelo próprio Donald Trump, apesar de o presidente francês, Emmanuel Macron, sugerir a presença de tropas do Ocidente na Ucrânia. Desde o início do conflito, as autoridades de Moscovo têm apelado a uma “desmilitarização” e “desnazificação” do país vizinho.
Putin sugeriu ainda uma “administração temporária” na Ucrânia apoiada pelas Nações Unidas. O questionamento da legitimidade de Zelensky no poder, levantado por Moscovo, foi ecoado recentemente por Washington, com Trump já tendo chamado ao chefe de Estado de Kiev de “ditador”.
A Ucrânia exige ainda “garantias de segurança”, como o envio de tropas estrangeiras, para evitar uma eventual nova invasão russa. Os Estados Unidos têm desconversado sobre o tema, com Trump a defender que o acordo de recursos minerais trará estabilidade e segurança para os ucranianos.