A batalha por Bakhmut dura há cerca de cinco meses. A conquista daquela cidade do Leste da Ucrânia é encarada como decisiva para os russos, particularmente para o chefe do grupo de mercenários da Wagner que é pago por Moscovo para guerrear na Ucrânia e que aparentemente quer ganhar corpo político para suceder a Putin.
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"Bakhmut resiste apesar de tudo", disse o presidente ucraniano Vladymyr Zelensky, num balanço sobre um dos pontos mais quentes da guerra na Ucrânia do momento, no habitual discurso de fim de noite, no domingo. "A cidade está praticamente destruída pelos ataques russos, mas os nossos soldados continuam a resistir ao avanço" das forças de Moscovo, acrescentou.
O mesmo se aplica a Soledar. Um porta-voz do Ministério da Defesa da Ucrânia disse, citado pela "Al Jazeera", que a cidade, conhecida pela mina de sal, continua sob domínio ucraniano, apesar do que descreveu como "ferozes ataques" das tropas russas.
"O inimigo voltou a fazer um ataque desesperado para tentar entrar na cidade de Soledar, de várias direções, e empenhou as mais profissionais unidades de Wagnerites na batalha," disse o Exército ucraniano, em comunicado citado pela agência Reuters, com uma referência à presença dos mercenários do grupo russo Wagner.
O Coronel-General Oleksandr Syrsky, responsável pelas operações na frente Este, visitou as tropas que defendem Bakhmut e Soledar, no domingo, revelou Zelensky, citado pelo jornal "The Washingon Post". Syrsky é o militar que comandou a contraofensiva ucraniana que expulsou os russos da região de Kharkiv, em setembro, num dos primeiros e mais importantes avanços territoriais ucranianos, depois de ter estado na defesa de Kiev, no início do conflito.
As cidades subterrâneas onde se jogava futebol e ouvia música
A visita de Syrsky é ilustrativa da importância estratégica daqueles pontos para a guerra na Ucrânia, numa altura em que o cerco aperta. A aldeia de Bakhmutske, a nordeste de Bakhmut, no "território da República Popular de Donetsk, foi libertada pelas forças armadas da Federação Russa", anunciaram os separatistas pró-russos da região do Donbass. Um comunicado publicado na rede social Telegram, citado pela agência de notícias AFP, que não conseguiu verificar as alegações de forma independente.
Bakhmutske fica nos arredores de Soledar e Bakhmut. Cidades próximas que valem também pelo que não está à vista. "A cereja no topo do bolo é o sistema de minas de Soledar e Bakhmut, que é na realidade uma rede de cidades subterrâneas", disse Yevgeny Prigozhin, fundador do grupo de mercenários russo Wagner que faz a guerra em nome de Moscovo. "Não só pode acomodar pessoas a 80 ou 100 metros de profundidade, como tanques e carros de combate", acrescentou.
Prigozhin referia-se aos cerca de 150 quilómetros de túneis das vastas minas de sal e gesso de Soledar e Bakhmut. Um espaço tão amplo que chegou a acolher jogos de futebol ou concertos em tempos de paz. Segundo o Centro de Estudos da Guerra, sediado em Washington, nos EUA, o líder dos mercenários acredita que pode aumentar o capital político próprio junto do Kremlin se conquistar Bakhmut, num momento em que já é apontado como um possível sucessor de Vladimir Putin.
O Governo dos EUA acredita que Prigozhin está mais interessado em controlar as minas de sal e de gesso por motivos económicos - afinal, é um mercenário - e não dá muito crédito às alegações do líder da Wagner, que considera os túneis como "um centro logístico valioso com fortificações defensivas únicas", segundo a agência Reuters.
Batalha sem sentido na "trituradora de carne"
Bakhmut, cidade de cerca de 73 mil habitantes antes do início da guerra, reduzida a pouco mais de dez mil almas, fica situada no Leste da Ucrânia, na região separatista do Donbass. A batalha dura há mais de cinco meses, com baixas e custos pesados para ambos os lados. De tal forma, que é inevitável que a vitória, seja para que lado for, será pírrica.
Considerada como uma "trituradora de carne" por ambas as partes do conflito, a batalha está fora de tempo. "Se Bakhmut tivesse sido capturada no início da ofensiva, em agosto, teria tido significado. Tem tudo a ver com o momento", disse um especialista militar, Konrad Muzyka, à agência Reuters. O valor estratégico da cidade foi reduzido pelas fortificações construídas pelos ucranianos desde os primeiros ataques, que vão dificultar a progressão russa se Moscovo chegar a tomar a cidade.
"A batalha por Bakhmut não faz sentido, não tem valor estratégico para a Rússia dado o fraco potencial ofensivo e a perspetiva de avanços mesmo que a cidade seja capturada", observou Michael Kofman, um especialista militar norte-americano em assuntos russos, citado também pela Reuters.
Farsa de um lado, farsa do outro: de mortes em massa a negociações de paz
Provavelmente será de Pirro, também o resultado final da "operação especial" russa que há 10 meses levou a guerra à Ucrânia, que esta segunda-feira desmentiu as alegações russas de que um ataque a Kramatorsk matou pelo menos 600 soldados.
"É mais uma peça da propaganda russa", disse Serhiy Cherevaty, um porta-voz do exército ucraniano citado pelo canal britânico de televisão BBC. Uma resposta às alegações do Ministério da Defesa russo que dizia ter matado cerca de metade dos cerca de 1300 militares ucranianos que estavam estacionados em dois edifícios na cidade de Kramatorsk, no sábado, primeiro dia da trégua declarada por Putin para o Natal ortodoxo.
A Rússia classificou o ataque como "uma retaliação" pela morte de 89 soldados russos em Makiivka. A Ucrânia diz que mais de cerca de 400 pessoas foram mortas ou feridas nesse ataque, enquanto os meios de comunicação russos atiram para números mais elevados que os revelados oficialmente pelo Kremlin.
Entretanto, Moscovo negou que estejam a decorrer conversas tendentes a encontrar a paz. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, negou a alegação de que um oficial russo estaria a discutir um potencial acordo com dirigentes europeus.
Peskov contraria a versão revelada por Oleksiy Danilov, secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia, que na quinta-feira disse que Dmitry Kozak, vice-presidente da administração russa, teria tido reuniões com dirigentes europeus para levar Kiev a assinar um acordo de paz desfavorável à Ucrânia.
"Isso é falso. Mais uma", disse Peskov, sinalizando a vontade russa de manter a guerra, com novo alerta aos aliados e apoiantes da Ucrânia. "O fornecimento de armas do Ocidente só vai acentuar o sofrimento do povo ucraniano", disse o porta-voz do Kremlin. "Não vai mudar nada", acrescentou.