<p>Angola preparou-se à pressa para receber o Papa, que chega esta sexta-feira a Luanda. O cenário de miséria foi maquilhado, mas espera-se que Bento XVI não passe ao lado da questão da pobreza e das desigualdades sociais.</p>
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É ao início da manhã, quando o céu começa a ser tingido de um laranja tímido, que a imensidão de pontos de luz mais contrasta com o negro profundo do Atlântico. São 6.10 horas e do avião que sobrevoa o mar de Cabinda só são visíveis as chamas das inúmeras plataformas petrolíferas. Na aproximação a Luanda, uns 45 minutos depois, ninguém diria que é daqueles pontos frágeis que nasce a principal fonte de riqueza de Angola. Vista do ar, a capital angolana é um mar de chapas de zinco que cobrem os casebres dos musseques onde o lixo se mistura com a lama própria da época das chuvas.
Esta é, no entanto, uma visão que não deverá ser a de Bento XVI, que chega hoje ao meio-dia a Angola, vindo dos Camarões, para cumprir a segunda escala da sua primeira visita a África enquanto Papa. A cidade foi atabalhoada e cirurgicamente pintada, lavada e alcatroada apenas no trajecto que Ratzinger vai realizar em Luanda. Mas, se a visão mais pobre da cidade não estará ao alcance do Papa, Bento XVI vai certamente abordar a questão das desigualdades sociais de um país onde a paz se vive há escassos anos. "Esperamos sinceramente que o Papa nos traga uma mensagem de reconciliação e de justiça social", disse ao JN o bispo de Cabinda, D. Filomeno Vieira Dias. O também coordenador desta visita papal lembra que "todos os angolanos olham para esta visita como o depositar de uma esperança e confiança no país. E isso é bom para a auto-estima dos angolanos".
Nem todas as questões serão, no entanto, tão consensuais. Observadores da realidade social de Angola acreditam que o Papa possa também dar um "puxão de orelhas" aos bispos angolanos. O Vaticano suspendeu padres em Cabinda, que contestam a nomeação de D. Filomeno (ver entrevista com o bispo cabindense na edição de amanhã) e deverá ser crítico pela forma como a Igreja angolana tem conduzido o seu rebanho ou ainda como o tem visto desaparecer. A hierarquia católica local não tem sido capaz de inverter a saída de fiéis rumo a outros cultos, nomeadamente os evangélicos. Estima-se que o número de seitas tenha passado de meia centena, em 1992, para as quase 900, na actualidade. Manuel Alexandre é um católico que também frequenta a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), porque "rezar em conjunto e com alegria dá mais força à vida". E, na missa católica, acrescenta, "já ninguém se diverte". Por outro lado, enquanto os católicos preparavam a visita do Papa, a IURD juntava toneladas de alimentos para enviar para o Cunene, onde as chuvas violentas desalojaram muitos angolanos.
Este aparente adormecimento dos bispos angolanos e as acusações de uma cumplicidade sem memória com o poder vigente no país são questões que o Papa vai querer abordar com todos os membros da hierarquia da Igreja. Nas reuniões que vai manter, Bento XVI deverá juntar a sua voz ao lóbi que exige o alargamento das emissões da católica e luandense Rádio Ecclesia a todo o país.
Quando, amanhã, celebrar missa na Igreja de São Paulo, o Sumo Pontífice vai certamente reiterar linhas mestras das suas intervenções aquando da passagem pelos Camarões esta semana: a condenação do uso do preservativo (ver reportagem na página ao lado) e a valorização da família, ou defesa dos direitos dos mais pobres. Questões a merecer igualmente a atenção do Sínodo dos Bispos sobre África, cuja preparação também traz o Papa a Luanda.
Menos dados às questões teológicas, os angolanos nas ruas já vão vestindo t-shirts com Bento XVI estampado. Tudo para 'tchilar' (curtir) o Papa que volta a Angola em ano de eleições presidenciais.