Arábia Saudita projeta prédio de 170 quilómetros de comprimento do mar ao deserto
"O homem sonha, a obra nasce". Nas arábias, o sonho do verso de Fernando Pessoa é a matéria prima da obra. A ideia do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, de construir uma cidade nova começou a ser rasgada na terra: uma linha de 170 quilómetros de comprimento, do mar Vermelho às montanhas, deserto adentro, ganha forma no distrito de Tabuk como o edifício mais longo do Mundo.
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"The Line", um conjunto de prédios interligados que vão formar uma cidade de 170 quilómetros de comprimento, "A Linha" em português, vai estender-se do mar Vermelho na direção do interior, até aos arredores da cidade de Tabuk, sede do distrito onde começou a instalar-se esta revolução na Arábia Saudita. O conjunto de prédios contíguos, revestidos de vidro em todo o comprimento, deve custar 500 mil milhões de euros, e erguer-se 500 metros acima da terra. Uma tira de 200 metros de largura onde devem caber entre seis a nove milhões de pessoas, entre espaços de habitação, de trabalho e divertimento, com cursos de água, jardins, parques e equipamentos desportivos variados.
Segundo uma estimativa apresentada em 2021, em documentos a que o jornal "Wall Street Journal" (WSJ) teve acesso, o empreendimento tem prazo de conclusão até 2050. O projeto, idealizado pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, consiste em duas filas paralelas de edifícios, que se estenderão numa linha de 170 quilómetros, atravessada, de uma ponta à outra por um comboio de alta velocidade, que promete levar os residentes do mar à montanha, ou vice-versa, em cerca de 20 minutos.
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Um projeto do tamanho da Bélgica
Imagens reveladas pelo site da revista "Dezeen", especializada em arquitetura, mostram o início das escavações, com várias máquinas e camiões a fazerem as primeiras terraplanagens da cidade do futuro. O edifício, que já estará a brotar do solo seco do deserto, é ícone de uma remodelação urbanística que vai moldar o região de Tabuk. Batizado de Neom, o novo distrito saudita vai estender-se por 26 mil quilómetros quadrados, sensivelmente o tamanho da Bélgica, entre o Golfo de Aqaba, no mar Vermelho, para o interior, intersectando a zona montanhosa de Trojena, futura casa dos Jogos Asiáticos de Inverno, em 2029, outro megaprojeto daquela monarquia do Golfo Pérsico.
"Não podemos ignorar as condições de vida e as crises ambientais que enfrentam as cidades mundiais. Neom estará na linha da frente para promover novas e imaginativas soluções para resolver estes problemas", assegura Mohammed bin Salman. "Uma equipa das mais brilhantes mentes da arquitetura, engenharia e construção vai fazer do edifício uma realidade", acrescentou o príncipe herdeiro saudita, citado no site do projeto.
"The Line vai atacar os problemas que a humanidade enfrenta diariamente nas cidades e iluminar caminhos alternativos de vida", comentou Mohammed bin Salman, também presidente do conselho de administração do Neom, o multimilionário projeto de que a "A Linha" é apenas uma página a ser escrita.
O príncipe herdeiro esteve esta semana na Coreia do Sul e parece ter entusiasmado os sul-coreanos. Na primeira viagem a Seul, em três anos, encontrou-se com empresários e milionários a quem apresentou o projeto. "Há riscos políticos e geopolíticos no Médio Oriente e é verdade que o projeto levanta questões... Mas a cidade de Neom pode ser fundamental para a economia da Coreia do Sul", lê-se no editorial do jornal económico "Maeil Business", que exorta o governo a "promover as reformas necessárias" para agarrar a oportunidade.
O presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, disse esperar reforçar a cooperação com a Arábia Saudita, escreve o "Washington Post". Durante o encontro entre os dois líderes, na terça-feira, Yeol manifestou o interesse em ter companhias sul-coreanas a participar em megaprojetos sauditas como a Neom.
Táxis voadores "vão ser uma realidade" nesta megacidade
Idealizado pelo príncipe herdeiro como uma forma de aliviar a dependência do petróleo e detido pelo fundo soberano saudita, Neom promete criar milhares de empregos. Apresentado como ecológico, autossustentável e pouco poluente, o projeto está a ser revelado a investidores de vários pontos do Mundo.
Na semana passada, sob o chapéu "Descobre Neom", cativou a atenção de cerca de 400 investidores da área financeira e da sustentabilidade durante apresentações na Alemanha e em França. "Estamos especialmente focados em perceber como podemos apoiar o esforço colaborativo global de redefinir a forma de fazer negócios de forma sustentável e orientada para o futuro", disse o diretor-executivo do projeto, Nadhmi Al-Nasr, no final da viagem ao eixo-franco alemão.
#NEOM has signed an agreement in Berlin to take a significant equity stake in #Volocopter.
- NEOM (@NEOM) November 3, 2022
Positioning NEOM as a leader in the eVTOL industry, we"ll work together to accelerate electric urban air mobility for our region and beyond.
Learn more: https://t.co/Pld55SZDgV pic.twitter.com/nQZxeWrNvI
"Estou entusiasmado com as parcerias significativas que vamos forjar nos próximos meses no seguimento destas visitas e as oportunidades de negócios que trarão para Neom e para a Arábia Saudita", acrescentou Nadhmi Al-Nasr, que já tinha firmado um acordo para garantir a mobilidade elétrica projetada na nova cidade. Um investimento de 175 milhões de euros na empresa Urban Mobility Air, que vai construir os táxis aéreos, um misto elétrico de carro voador e helicóptero, os Volcopter, para transportar os habitantes da urbe sonhada do príncipe herdeiro.
"É a primeira vez que os eVOLTS, com as suas caraterísticas únicas, estão a ser fabricados para encaixar numa região construída de raiz. Isto oferece uma nova abordagem à forma como a mobilidade aérea pode melhorar a qualidade de vida nas cidades", disse Dirk Hoke, CEO da Volocopter, após a assinatura do acordo. "Um investimento crucial para acelerar o progresso humano", considerou Al-Nasr.
"Vai contribuir para aproximar a humanidade de uma nova era de mobilidade, definida pelas emissões zero de veículos elétricos de descolagem vertical", disse o diretor-geral da Neom. "Em conjunto com a Autoridade Real de Aviação, vamos fazer de conceitos como táxis aéreos uma realidade do dia a dia para residentes e visitantes", acrescentou Al-Nasr. Os aparelhos construídos pela associação com a Volocopter vão operar no distrito no nascente de Neom, entre The Line, Trojena e Oxagon, uma cidade flutuante programada pelos sauditas, que será como o terceiro vértice deste projeto de cerca de de um trilião de dólares (aproximadamente um milhão de milhões de euros, o que em português se define como bilião).
"The Line" foi projetado pela empresa norte-americana Morphosis Architects, fundada por Thom Mayne, vencedor do prémio Pritzker, chamado "nobel da arquitetura", que junta pelo menos outros nove gabinetes de design e engenharia, como a WSP Global, de Montreal, no Canadá, ou Thornton Tomasetti, de Nova Iorque, revela o WSJ.
"As pirâmides" do príncipe herdeiro saudita
O projeto, sonhado desde 2017 pelo príncipe herdeiro, foi apresentado em vídeo pela primeira vez em janeiro de 2021, como uma ideia revolucionária, uma conquista humana ao nível da descoberta de penicilina ou da chegada à lua. Sem carros e com zero poluição, almeja salvar vidas, evitando acidentes e problemas de saúde associados a cidades poluídas.
"Será a primeira cidade do mundo alimentada a energia renovável, incluindo vento, hidrogénio e energia solar", revelou o diretor-executivo de Desenvolvimento do projeto, em declarações ao jornal "The National", em agosto.
"The Line é uma revolução civilizacional que põe os humanos primeiro", disse Mohammed bin Salman. Para alimentar as pessoas, os vegetais vão crescer em quintas verticais integradas com os edifícios "e serão colhidos e embalados de forma autónoma". Numa megacidade gerida pela inteligência artificial, os alimentos serão levados para "cantinas comunitárias" e "cozinhas partilhadas", segundo documentos do projeto a que o WSJ teve acesso.
No campo do entretenimento, além de parques e jardins, está planeada uma marina na parte costeira da cidade, no Golfo de Aqaba, e um estádio de grandes dimensões. Se a Arábia conseguir levar por diante o projeto, a estrutura será algo de verdadeiramente inédito no Mundo. "Quero as minhas pirâmides", terá dito o príncipe herdeiro quando o idelizou.
Problemas e desafios de um megaprojeto
Aparentemente já no terreno, embora sem confirmação oficial por parte dos promotores, o projeto tem muitos desafios pela frente, como encontrar uma solução para a migração de milhões de pássaros pelos corredores aéreos que vão ser cortados pela Linha, assim como os movimentos de várias espécies de animais na região.
Uma infraestrutura desta dimensão pode também afetar as linhas de água no subsolo e terá ainda de lidar com um desafio único: a curvatura da terra. Como a terra curva cerca de 12 centímetros a cada quilómetro, os designers propõem deixar um intervalo no topo dos módulos, para "curvar" os edifícios.
Outro dos desafios de construir dois prédios que se estendem 170 quilómetros em paralelo, é a sombra criada, uma vez que a falta de sol pode afetar a saúde dos residentes, lê-se num documento sobre o projeto. Outra das dificuldades será convencer milhões de pessoas ainda a sofrer os efeitos da pandemia a viverem numa cidade que é um edifício contíguo de casas umas atrás das outras.