"As emoções podem estragar tudo". Os bastidores das trocas de prisioneiros na Ucrânia
Vitaliy Danila já liderou 16 trocas de prisioneiros na Ucrânia. Cada uma delas pode ser a última e o polícia sabe bem disso. Na "hora H", muitas vezes enquanto decorrem confrontos sangrentos, o foco é só um: proteger a vida dos prisioneiros, num terreno onde ninguém confia em ninguém.
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Cinco soldados russos capturados saem de uma carrinha ucraniana com as cabeças cobertas por gorros pretos. O momento é tenso e Vitaliy Danila, chefe da polícia regional de trânsito que já liderou 16 trocas de prisioneiros na frente sul da guerra, ainda tem as mãos trémulas. Conseguiu libertar cinco ucranianos que ainda estão atordoados mas sabe o perigo destas operações. Cada troca de prisioneiros pode transformar-se num banho de sangue.
"Enquanto estão a decorrer combates, vemos os tanques a disparar durante as trocas", diz Danila, sem terminar a frase. "Das primeiras vezes que fiz isto achava que ia ser a minha passagem só de ida para o túmulo. Não sabia quem íamos encontrar ou se seria uma armadilha", contou, escondido em Mykolaiv, cidade portuária fustigada pela guerra. "Simplesmente não há confiança entre nós", explicou, referindo-se aos soldados que estão no terreno a agilizar as trocas.
"Tudo pode correr mal"
As trocas de prisioneiros em massa, que geralmente incluem funcionários de alto escalão, costumam figurar nas manchetes internacionais. Mas as rotineiras, geralmente de prisioneiros gravemente feridos, passam despercebidas. "Tudo pode correr mal", reconhece o polícia. "Temos de evitar que se abra fogo. Todos têm de sair dali com vida", acrescenta.
Vitaliy Danila revelou que as primeiras trocas começaram logo em março, em total sigilo. Os russos tinham falhado a tentativa de capturar Mykolaiv e estavam a reagrupar-se numa base na retaguarda. Com os combates a decorreram a um ritmo letal, os prisioneiros acumularam-se de ambos os lados e a Rússia deu o primeiro passo.
"Recebemos a mensagem de que o lado deles não era contra a troca", revela, frisando que, naquele momento, "era impossível recorrer aos canais oficiais". Agora, as listas de troca têm de ser aprovadas pela inteligência militar ucraniana e os serviços de segurança.
Cada troca é uma missão militar
Segundo Danila, o maior objetivo é conversar com o inimigo sem perder a calma, uma vez que, garante, não acredita numa única palavra dos russos. "A forma como agem, fingindo que querem ajudar, é tudo mentira", lamenta. A desconfiança decorre, em parte, dos ataques contra civis realizados nos corredores humanitários nas primeiras semanas de conflito.
Durante as trocas de prisioneiros, o segredo é "manter a calma". "As emoções podem estragar tudo", conclui.