A operação "Papéis do Panamá", investigação realizada por uma centena de jornais que descobriu bens em paraísos fiscais de 140 políticos, futebolistas ou milionários, desencadeou uma onda de choque mundial.
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Entre cerca de 11,5 milhões de documentos provenientes da firma de advogados panamiana Mossack Fonseca surgem nomes dos círculos restritos dos presidentes russo Vladimir Putin, chinês Xi Jinping, sírio Bashar al-Assad e mexicano Enrique Peña Nieto, e também do presidente ucraniano Petro Poroshenko.
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Na lista de personalidades que criaram ou usaram sociedades "offshores" figura o futebolista argentino Lionel Messi, o ator chinês Jackie Chang e o cineasta espanhol Pedro Almodovar.
A investigação desencadeou já crises políticas, em alguns países, e noutros, a promessa de processos judiciais.
O primeiro-ministro islandês, Sigmundur David Gunnlaugsson, que terá criado com a mulher uma sociedade nas Ilhas Virgens britânicas para esconder milhões de dólares, vai enfrentar esta semana uma manifestação em Reiquejavique e uma moção de censura no parlamento.
Gunnlaugsson já excluiu demitir-se. "Não considerei demitir-me devido a isso e não me demitirei devido a isso", declarou o chefe do Governo à cadeia televisiva Stöd 2.
A família do chefe do governo paquistanês, Nawaz Sharif, também associada ao escândalo, garantiu não ter cometido qualquer ilegalidade, ao colocar os seus bens numa empresa 'offshore'.
O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, que a investigação revelou ter registado uma empresa num paraíso fiscal no auge da guerra com os separatistas pró-russos, afirmou que respeitou integralmente a lei. Num comunicado divulgado a sua página no Facebook, Poroshenko não nega a existência da empresa, mas assegura que nunca violou a lei ucraniana ou as leis internacionais. "Ao tornar-me presidente, deixei de participar na gestão dos meus bens, tendo delegado essa responsabilidade em consultoras e sociedades de advogados", acrescentou.
A Procuradoria-Geral da Ucrânia disse ter analisado as informações e não ter encontrado "nenhum indício de crime". Já o líder do Partido Radical (populista), Oleg Lyashko, defendeu a demissão de Poroshenko e disse ter "iniciado procedimentos para a destituição" do presidente. O partido tem 21 dos 450 deputados do parlamento nacional ucraniano.
O futebolista argentino do FC Barcelona Lionel Messi negou as acusações. "Lionel Messi não levou a cabo nenhum dos atos que se imputam nas informações, sendo falsas e injuriosas as acusações de que desenhou um novo esquema de evasão fiscal e, inclusive, de que criou uma rede de branqueamento de capitais", assegura um comunicado assinado pela família Messi.
O presidente francês, François Hollande, assegurou que os "Papéis do Panamá" vão resultar, em França, em inquéritos fiscais e "processos judiciários". Ao mesmo tempo, Hollande agradeceu as novas "receitas fiscais" que estas revelações vão originar.
No programa "Cash Investigation", que será difundido na terça-feira na cadeia francesa France 2, promete divulgar informações sobre o antigo ministro Jérôme Cahuzac, o vice-presidente da câmara do partido Os Republicanos (LR) de Levallois-Perret (periferia parisiense) Patrick Balkany, o empresário Patrick Drahi, mas também sobre as práticas do banco Société Générale, que afetarão um milhar de franceses.
O diretor do jornal "Le Monde", Jérôme Fenoglio, também prometeu na rádio France Inter divulgar o nome de um "grande partido político francês" implicado no escândalo.
Mais de 214 mil entidades "offshore" estão implicadas nas operações financeiras em mais de 200 países e territórios em todo o mundo, de acordo com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ).
Os documentos, inicialmente conseguidos pelo diário alemão "Suddeutsche Zeitung" no início do ano passado, foram em seguida divididos pelo ICIJ entre 370 jornalistas de mais de 70 países.
Para a firma de advogados Mossack Fonseca, a publicação dos documentos é "um crime e um ataque" contra o Panamá.
O governo panamiano garantiu que vai "cooperar vigorosamente" com a justiça em caso de abertura de processo judiciário.
"Os documentos mostram que os bancos, as firmas de advogados e outros atores que operam em paraísos fiscais esquecem-se com frequência da obrigação legal de verificar se os clientes não estão implicados em atividades criminosas", afirmou o ICIJ.
De acordo com os documentos publicados pelo organismo, que abrangem um período de cerca de 40 anos, entre 1997 e 2015, próximos do presidente russo, Vladimir Putin, terão desviado até dois mil milhões de dólares com a ajuda de bancos e sociedades fictícias.
Vários familiares de dirigentes africanos também são referidos nos documentos, como Alaa Mubaral, filho do antigo presidente egípcio, ou o sobrinho do presidente sul-africano, Jacob Zuma.
O mundo do futebol, já destaque nos últimos meses por vários escândalos com os dirigentes da FIFA, não foi poupado: o ICIJ refere quatro dos 16 dirigentes da federação internacional, o ex-presidentre da UEFA Michel Platini, e cerca de 20 estrelas do futebol.
Se a operação "Papéis do Panamá" lembra o trabalho realizado pelo 'site' especializado na difusão de documentos secretos, criado em 2006, Wikileaks, o volume de documentos analisados representa "mil vezes mais o que foi recuperado na época de Julian Assange e do Wikileaks", afirmou Jerôme Fenoglio.