Ataques de Trump ao Banco Central dos EUA arriscam minar confiança na economia do país
O despedimento sem precedentes de uma das líderes da Reserva Federal (Fed) por Donald Trump, que deverá ser contestada judicialmente, é mais um ataque do presidente norte-americano contra o equivalente ao Banco Central dos Estados Unidos. As ações do chefe de Estado, que visa cortar as taxas de juro, poderão ter grandes consequências para a economia do país, incluindo o aumento da inflação, alertam economistas.
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Trump afirmou, na segunda-feira, que demitiu Lisa Cook, um dos sete membros do Conselho de Governadores do Fed. Referiu como causa um relatório publicado em meados de agosto pela Agência Federal de Financiamento Habitacional - comandada por um aliado do republicano e que tem feito investigações contra vários adversários do magnata - em que se alega a existência de inconsistências em declarações de 2021 de hipotecas da funcionária da Reserva Federal.
"Não vou renunciar", sublinhou Cook, que defendeu que a "justa causa" apresentada por Trump não está prevista na lei, logo, o presidente dos EUA "não tem autoridade" para retirá-la do cargo que ocupa desde 2022 e cujo mandato termina em 2038. "Vamos apresentar uma ação judicial contestando esta ação ilegal", indicou Abbe Lowell, advogado da primeira mulher negra no Conselho de Governadores do Fed.
Estabelecido pelo Congresso norte-americano com salvaguardas, o Banco Central é tratado como uma instituição independente - ação reafirmada recentemente pelo Supremo Tribunal dos EUA, que não concedeu o mesmo privilégio para outras agências federais supostamente independentes, permitindo o despedimento dos chefes de tais órgãos por Trump. O objetivo é que o Fed resista à pressão política, o que cria confiança nos investidores em relação à política económica do país do dólar.
O Conselho dos Governadores é composto por sete assentos, com Trump atualmente a ter influência em três deles, com duas nomeações do primeiro mandato e uma pendente do segundo mandato - Adriana Kugler, indicada por Biden em 2023, deixou o cargo no início de agosto sem dar explicações e Trump já tem um substituto, Stephen Miran, que precisa ser aprovado pelo Senado. Caso consiga retirar Cook, também escolhida pelo antecessor democrata, o líder da Casa Branca teria uma maioria, com quatro dos sete postos.
O grupo define as taxas de juro em conjunto com os presidentes dos 12 bancos regionais do Fed, que auxiliam no entendimento do que está a acontecer com a economia norte-americana. Tais lideranças regionais serão renovadas em fevereiro, com comités locais a selecionarem candidatos que, no fim, são aprovados ou rejeitados pelo Conselho de Governadores. Uma maioria indicada por Trump poderá moldar tais cargos regionais.
Possibilidade de aumento da inflação
Frequentemente a apelar à queda dos juros da atual faixa de 4,25% a 4,5% para 1%, o presidente dos EUA tem "erodido" a independência do Fed, na visão de David Wessel, investigador sénior de estudos económicos no think tank Brookings. "A História diz-nos que quando os políticos controlam o Banco Central, a consequência inevitável é uma maior inflação e instabilidade financeira", alertou o também jornalista vencedor de dois prémios Pulizer, citado pela agência France-Presse (AFP).
Um decréscimo repentino dos juros de curto prazo diminuiria os custos para empréstimos estudantis, de carros ou de negócios. A maior facilidade de acesso a crédito pode fazer crescer o interesse dos consumidores, com economistas a temerem que tal subida na procura tenha impacto nos preços, que aumentariam. Tal cenário ocorreria num momento em que já se espera uma elevação dos custos nos EUA, perante uma guerra comercial de tarifas alfandegárias voláteis.
"Apesar das taxas de juro de curto prazo mais baixas, as taxas de juro de longo prazo aumentariam para o Governo, as famílias e as empresas dos EUA, aumentando os seus custos de empréstimo", avisou Matthew Martin, economista sénior na consultora Oxford Economics, ouvido pela AFP. Isto porque a menor confiança com o Fed afetaria os títulos do Tesouro norte-americano, que seriam vistos como de maior risco - o que acabaria por repercutir-se noutros empréstimos, como as hipotecas.
Mercados duvidam de interferência
Por ora, as constantes ameaças de Trump, que fala também em demitir o presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, são vistas com ceticismo pelos investidores. "Temos de esperar para ver o que acontece", disse Peter Cardillo, da empresa de serviços de investimento Spartan Capital Securities, em declarações à AFP, acrescentando que, por enquanto, os mercados estão a "ignorar".
A análise aconteceu após o fecho de Wall Street na terça-feira, um dia após o anúncio da demissão de Lisa Cook, quando foram registadas subidas nos principais índices de Nova Iorque - Dow Jones cresceu 0,3% e a Nasdaq e o S&P500 aumentaram em 0,4%. "Uma explicação pode ser que existe uma forte crença de que isto não será aprovado nos tribunais porque [Cook] não foi considerada culpada de nada até à data", destacou Steve Sosnick, da corretora Interactive Brokers.
Além da confiança de que Powell supostamente resistirá às investidas de Trump, os mercados pensam que tal intervenção será revertida, bem como foi nas diversas vezes em que o chefe de Estado norte-americano recuou nos últimos meses - que resultaram nos detratores a elaborarem o acrónimo TACO ("Trump Always Chicken Out", ou, em português, "Trump acobarda-se sempre").
"O vaivém errático em relação às tarifas, ironicamente, abriu caminho a ilusões tranquilizadoras sobre o quão prejudicial é realmente o domínio pessoal de Trump sobre o Governo e a economia para os resultados empresariais", escreveu o investigador Nathan Tankus, num artigo de opinião no portal Politico.