Além da guerra que decorre entre o Hamas e Israel na Faixa de Gaza, o Médio Oriente tem sido palco de confrontos que alimentam os temores de uma guerra regional. Depois de um período em que não interferiu diretamente em ações militares, o Irão mostra-se disposto a elevar a fasquia.
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Mais de três meses após o ataque do Hamas a território israelita, a tensão no Médio Oriente continua a expandir-se em diferentes pontos. A escalada do conflito israelo-palestiniano inflamou divergências há muito congeladas que estão a ganhar uma dimensão de alto nível. Os confrontos constantes, agora perpetrados pelo Irão, ampliam ainda mais os temores do início de um conflito global. Quais as frentes em que a situação está mais crítica?
Irão
No início da semana, as forças iranianas atacaram uma alegada "base de espionagem israelita" no Norte do Iraque, na primeira demonstração de força de Teerão num conflito que poderá tornar-se regional. Os Guardas da Revolução do Irão explicaram, em comunicado, que foram lançados vários mísseis balísticos e drones kamikazes contra um suposto "quartel-general da Mossad" perto de Irbil, no Curdistão iraquiano. As ações foram justificadas como uma resposta "às atrocidades do regime sionista" que já terão resultado na morte de vários comandantes da força em questão. O Executivo do Curdistão iraquiano confirmou que os mísseis atingiram um edifício residencial, tirando a vida a pelo menos quatro civis, entre os quais duas crianças.
Seguiu-se uma intervenção aérea no Paquistão, onde as forças do Irão afirmam ter visado bases do grupo jihadista Jaish al-Adl (“Exército da Justiça”), revelou a agência noticiosa iraniana IRNA. O grupo jihadista tem reivindicado vários ataques e atentados na província do Sistão-Baluchistão, uma das mais pobres do Irão junto à fronteira com o Paquistão.
A investida levou o Paquistão a acusar o Irão pela morte de duas “crianças inocentes”, que, segundo Islamabade, constitui uma “violação não provocada” do seu espaço aéreo. “Esta violação da soberania do Paquistão é completamente inaceitável e pode ter consequências graves”, alertou o Ministério dos Negócios Estrangeiros paquistanês. Segundo várias analistas ouvidos pela Imprensa internacional, os ataques perpetrados pelo Irão não se tratam de incidentes pontuais, mas assinalam uma mudança de postura por parte das forças de Teerão.
A intensificação dos confrontos na região está a levantar receios de uma elevação do conflito, o que levou a China a fazer um apelo. Pequim, que mantém laços estreitos com Islamabade e Teerão, pediu "contenção", na sequência do ataque aéreo no Paquistão atribuído ao Irão. “Apelamos a ambas as partes para que se contenham, evitem ações que possam exacerbar as tensões e trabalhem em conjunto para manter a paz e estabilidade", disse a porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning.
Mar Vermelho e Iémen
Os EUA lançaram uma nova onda de ataques contra os hutis no Iémen, no que foi o terceiro ataque contra o grupo apoiado pelo Irão nos últimos dias. Na quinta-feira, os EUA e o Reino Unido atingiram áreas controladas pelos hutis no país pela primeira vez, em resposta aos contínuos ataques a navios cargueiros no mar Vermelho, mas não têm conseguido travar as pretensões dos rebeldes xiitas.
Os hutis reivindicaram, esta terça-feira, uma “operação direcionada" com "vários mísseis" contra um navio graneleiro grego que transportava cereais, avisando que vão prosseguir ataques "em defesa do Iémen e em solidariedade com o povo palestiniano". De acordo com um comunicado dos iemenitas, assinado pelo porta-voz militar Yahya Sarea, o navio "Zogravia" dirigia-se para Israel quando foi atingido ao largo da costa do Iémen, depois de "a tripulação ter recusado repetidos apelos e mensagens de aviso das forças navais" dos hutis. O responsável confirmou que os rebeldes lançaram "vários mísseis navais" contra o cargueiro grego, mas de pavilhão maltês, num novo ataque que, segundo a companhia de navegação, deixou os 24 membros da tripulação sem ferimentos.
Em paralelo, a Marinha norte-americana seguiu rumo até ao Iémen para apreender armas de fabricação iraniana que, segundo as autoridades dos EUA, tinham como objetivo reforçar o arsenal dos hutis. Nos próximos dias, a Casa Branca deverá anunciar um plano para redesignar os hutis como terroristas globais, depois de o grupo ter sido retirado das listas de terrorismo dos EUA em 2021. No entanto, esta possibilidade não foi bem recebida pelos rebeldes xiitas. "Consideraremos declaração de guerra qualquer ação que prejudique os interesses do Iémen, e o impedimento dos navios israelitas não se vai limitar apenas ao [Estreito de] Al Mandeb" no sul do Mar Vermelho, afirmou, esta quarta-feira, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros do Executivo huti, Husein al-Ezzi, através da rede social X.
Perante a troca de ataques no mar Vermelho, três das principais transportadoras marítimas do Japão confirmaram, esta quarta-feira, à AFP que suspenderam o trânsito de todas as suas cargas através desta rota, devido ao forte aumento das tensões na região.
Faixa de Gaza e Cisjordânia
Foi, esta terça-feira, anunciado um acordo entre o Israel e o Hamas, que irá permitir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza. O pacto, mediado e anunciado pelo Catar, tem como objetivo fazer chegar medicamentos a civis palestinianos e reféns israelitas, sendo que o processo irá contar com a a colaboração do Comité Internacional da Cruz Vermelha. Apesar de a nova remessa de ajuda ser observada como um balão de oxigénio por quem carece de recursos básicos há vários meses, as partes envolvidas no conflito ainda se mostram longe de chegar a cessar-fogo.
A futura liderança na Faixa de Gaza tem sido objeto de discussão no Fórum Económico Mundial, que decorre em Davos, na Suíça. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega admitiu que os países europeus e árabes, juntamente com os EUA, estão a trabalhar num modelo que permita a construção de um Governo palestiniano unificado que poderia atrair fundos de reconstrução após a guerra. Contudo, os EUA alertaram que alguns países árabes não estão interessados envolver-se na reconstrução de Gaza se o enclave ficar arrasado pelos combates.
Além dos ataques violentos que todos os dias incidem sobre a já ferida população palestiniana, na Cisjordânia ocupada também se desenha uma frente de batalha que já causou muitas baixas. O Exército israelita anunciou, esta quarta-feira, que membros de "uma célula terrorista" liderada por Abdullah Abu Shalalm foram mortos depois de um drone ter atingido um veículo no campo de Balata, perto da cidade de Nablus.