O relógio já marca o fim da manhã e Maysoun Nakhla dirige-se à zona dos dormitórios para preparar o café. Acabara de sair da biblioteca da universidade, onde esteve a partilhar com os estudantes como é viver na Palestina.
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Mudou-se ainda criança para Ramallah, com a mãe e dois dos três irmãos, "para conhecer e perceber a cultura" dos pais, imigrantes na América. Hoje, com 24 anos, rejubila-se com uma bolsa de intercâmbio em Portugal.
Foi acolhida há cerca de um mês pelo Instituto Superior de Administração e Gestão, no Porto, e deixou a licenciatura em Recursos Humanos para trás. Não se arrepende. "Quando viajo para algum lugar tenho lá família à minha espera. Desta vez, aprendi a andar de transportes e a encontrar os sítios de que preciso, tudo sozinha".
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Sem descurar a qualidade do ensino em Portugal, Maysoun faz questão de ressalvar as melhorias do palestiniano, ao qual têm acesso cada vez mais raparigas. Se, há uns anos, as mulheres não podiam ver a educação como um dado adquirido, hoje "toda a gente estuda o que quiser". O mesmo não se pode dizer do "lado de Israel", diz Maysoun, que sublinha o desagrado pelo termo. "Há palestinianos a viver lá e, para eles, é mais difícil conseguir educação", o que os leva a procurá-la na Palestina.
Educar pelo desporto
Nascida na Colômbia e criada na Florida, Maysoun não teve como evitar o choque cultural mal chegou à Palestina, há vários anos. "Estávamos a trocar a mentalidade ocidental por outra completamente diferente". E para as mulheres era ainda mais difícil. Eventualmente, o cenário mudou. "Começámos a ficar mais confortáveis com as pessoas, fizemos amigos, fomos à escola e aprendemos a língua". O aparecimento de organizações de apoio à população feminina também foi crucial. Mais madura, Maysoun descobriu o dom para o voluntariado, capacitando crianças através do desporto. "Ensinava-lhes coisas sobre a vida através de jogos divertidos", explica, com destaque para o trabalho que teve com as raparigas. "São um bocado tímidas em relação ao desporto."
Detenções são comuns
Por razões profissionais, o pai de Maysoun ainda vive com um dos seus irmãos nos EUA, mas a família reúne-se de seis em seis meses para recuperar o tempo perdido. Às vezes, à custa da liberdade. Ainda antes de casar, o pai passou cerca de um ano preso em Israel, detido quando voltava à Palestina. "Ele não fala muito do assunto, mas disse-me que eram muito violentos. E ainda são", diz. Porque recentemente foi a vez do cunhado dela ser detido por uns meses. "Até hoje é muito fácil uma pessoa ser levada por questões políticas", basta que Israel se sinta ameaçado. E o tempo de prisão é determinado pela "gravidade" do caso: "grandes opositores estão detidos e não podem ser libertados" e outros são obrigados a decidir entre ficar na Palestina ou nunca mais lá voltar.
Maysoun percorre os corredores da faculdade envergando um traje tradicional, orgulhosamente usado para a entrevista. Vestido preto com detalhes bordados a vermelho e "kafieh", o lenço que os palestinianos conhecem como um "símbolo de resistência" marcado pelo início da ocupação israelita, há mais de 50 anos. A jovem perde-se em pensamentos e um sorriso sarcástico rasga-lhe os lábios.
Apesar das repercussões do conflito entre israelo-palestiniano, Maysoun acredita que a Palestina "está a mudar muito rápido. E para melhor". "As pessoas estão mais conscientes do que a ocupação está a fazer e decidiram unir forças", resultando na evolução do estatuto da mulher, face ao crescente apoio do homem. "É preciso estar lá para perceber a mudança". Quanto ao futuro, "até que se saiba o que aí vem, a Palestina só tenta viver". Como ela, que sonha com um negócio para ajudar estudantes e desempregados. E olha, esperançosa.