Terrorista mata três pessoas em igreja de Nice depois de uma semana de tensão contra Macron no mundo muçulmano.
Corpo do artigo
É difícil não fazer associações quando as coincidências, temporais e factuais, são tão gritantes. Quinta-feira, um tunisino de 21 anos decapitou uma mulher e esfaqueou mortalmente outras duas pessoas na Basílica de Notre-Dame de L"Assomption, em Nice. Decapitou, como um checheno de 18 anos fez há 15 dias com Samuel Paty, o professor que usou caricaturas do profeta Maomé para explicar a liberdade de expressão aos alunos. Dias depois, o presidente francês homenageava o docente, prometendo defender as caricaturas porque isso é defender a dita liberdade, pilar da República Francesa. Palavras que mereceriam o repúdio público de dois líderes do mundo muçulmano, um deles, o turco Recep Tayyip Erdogan, insinuando doença mental de Emmanuel Macron, o outro, o paquistanês Imran Khan, acusando-o de "provocar deliberadamente os muçulmanos". Seguiu-se um apelo ao boicote de produtos franceses e, discreto, um comunicado de uma agência ligada à Al-Qaeda apelando à "jiade individual" contra símbolos cristãos em França, enquanto, ruidosamente, milhares de muçulmanos no mundo saíam à rua pisando a efígie do presidente francês.
A violenta denúncia pública da suposta "islamofobia" de França e do Ocidente, comparada, sem pudor, à perseguição dos judeus pelos nazis, não é, no fundo, muito diferente da campanha de ódio movida nas redes sociais pelo pai de uma das alunas de Samuel Paty, que se ampliou de tal forma que mobilizou o jovem checheno. É, afinal, o mesmo apelo. E é trágico.
Alerta desde domingo
A ameaça de um ataque iminente era levada muito a sério desde domingo, quando a raiva de Erdogan na defesa do profeta atingia picos. O ministro do Interior, Gérald Darmanin, avisara então as forças policiais do referido comunicado da agência THABAT. Circulavam indicações para precaver as cerimónias religiosas, mormente quanto se aproximam os finados no caso cristão, mas também quanto ao risco que corriam muçulmanos que denunciaram o ato contra Paty. "A questão não é saber se haverá um atentado, mas quando", dissera Gérald Darmanin.
12976629
Aconteceu ontem, pelas nove da manhã, na basílica de uma cidade ainda dorida do atentado que deixou 86 mortos atropelados na marginal há quatro anos, num dia que era de festa nacional. Perpetrado por um tunisino, com o de ontem. Este entrou na Basílica às 8.29 horas. Meia hora depois, gritou várias vezes "Allahu Akbar", degolou uma mulher de 60 anos, esfaqueou gente a eito e acabou atingido por balas policiais. Um homem de 55 anos morreu dentro da igreja e uma mulher de 44 anos faleceu no café onde se refugiara.
O que se sabe do atacante, Brahim A., é que é tunisino, tem 21 anos e está entre a vida e a morte no hospital, que era desconhecido dos serviços de informação e da Polícia, que tinha um documento da Cruz Vermelha italiana, segundo o qual chegou à Europa via Lampedusa em 20 de setembro e recebeu ordem de repatriamento. Sabe-se que trazia três facas, mas só usou uma de 30 centímetros, um Corão e dois telefones. A tese de terrorismo foi imediatamente privilegiada e, na senda, foi elevado o alerta de atentado e ampliada a força de vigilância antiterrorista de 3000 para 7000 militares. Macron, no local, assegurou: "Não vamos ceder em nada" na liberdade de crer ou não crer.
Reação árabe
E se é natural o repúdio do Vaticano - "O terrorismo e a violência nunca podem ser aceites" -, já soa mais estranho o manifestado pela Turquia, depois de uma semana a atiçar os ânimos muçulmanos: "É claro que os que cometeram um ataque tão selvagem num local de culto sagrado não podem inspirar-se em qualquer valor religioso, humano ou moral", escreveu o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco.
A condenação do mundo árabe foi unânime, à exceção da surpreendente reação do ex-primeiro-ministro da Malásia: "Os franceses, ao longo da sua história, mataram milhões de pessoas. Muitas eram muçulmanas. Os muçulmanos têm o direito de estar zangados e de matar milhões de franceses pelos massacres do passado", escreveu Mahathir Mohamad, para quem a liberdade de expressão "não inclui insultar outras pessoas". Foi calado pelo Twitter.