Foi no dia 23 de junho de 2016 que o Reino Unido realizou um referendo sobre a permanência na União Europeia (UE), no qual 51,9% dos participantes se mostraram favoráveis à saída da organização comunitária. Seis anos depois, a sociedade da Grã-Bretanha assistiu a grandes mudanças, que se têm feito sentir na economia, política e mobilidade.
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Paulo Vila Maior, professor de Estudos Europeus na Universidade Fernando Pessoa, acredita que se o referendo se realizasse agora, o resultado poderia ser diferente e explica que o Reino Unido pode voltar a ser estado-membro da UE.
Num momento em que a Europa está a sofrer as duras consequências de uma guerra, considera que se o referendo acontecesse agora o Brexit poderia não se ter concretizado?
Reconheço que uma alteração das circunstâncias pode ser o suficiente para alterar o rumo de um resultado político. Com a nova conjuntura da guerra, e com união que temos verificado no seio da Europa, isto poderia ser suficiente para que algumas pessoas que votaram a favor do Brexit não o tivessem feito, o que poderia ter alterado o resultado do referendo. Ainda há pouco tempo foram divulgadas sondagens sobre a perceção que os britânicos tinham sobre as consequências do Brexit e, pelo que se percebeu, uma maioria estava insatisfeita e, desse universo de insatisfeitos, uma grande parte, correspondia a pessoas que tinham votado a favor da saída do Reino Unido da UE. No entanto, esse inquérito não perguntava se essas pessoas alteravam o seu sentido de voto. Porque uma coisa é estar descontente com o que aconteceu na sequência da votação, outra coisa é alterar o voto, nem sempre existe uma correspondência.
Quais foram as principais alterações que levaram a este descontentamento geral?
Penso que foi mais a questão das desvantagens económicas. Na altura da campanha eleitoral, antes do referendo, havia uma mobilização dos eleitores pró-Brexit que desvalorizava as consequências de ordem económica, portanto, para as pessoas que votaram a favor do Brexit o que estava em causa era apenas uma decisão política e não tanto uma decisão política que tinha ramificações económicas. Creio que o que se veio a verificar pela população britânica, é que o Brexit não teve as consequências que eram esperadas, sobretudo a nível comercial, porque com a saída do Reino Unido da UE, as importações e as exportações deixaram de ser tão facilitadas, o que significou maiores obstáculos na circulação de bens para os estados-membros da UE. Isto teve consequências económicas, porque se pensarmos nomeadamente numa empresa britânica que exporta para um país da UE e se confronta com esses obstáculos, a sua competitividade será prejudicada. Mas também será prejudicada pelo facto de ter de importar matérias-primas que têm origem em estados-membros da UE e que agora chegam a território britânico a um preço mais alto.
Além das empresas, há estudos que indicam que o poder de compra dos britânicos também diminuiu...
Sim, mas antes do Brexit foram publicados estudos que já apontavam para uma probabilidade de este ser um dos efeitos económicos associados à saída da UE. Julgo que entre as pessoas que se mobilizaram para votar a favor do Brexit, essas considerações económicas nunca foram valorizadas da mesma forma que estão agora a ser valorizadas a partir do momento em que o Reino Unido começou a sentir na pele os efeitos económicos do Brexit.
E no quadro político quais foram as maiores mudanças?
Penso que as principais mudanças políticas se registaram a nível interno. Nomeadamente quando Boris Johnson conseguiu reforçar a sua maioria. Também foi muito importante ter conseguido formar um grupo parlamentar com pessoas da sua confiança. Isto acabou por ser entendido por alguns analistas como uma reconfirmação do Brexit, já que o atual primeiro-ministro sempre foi um dos principais apoiantes da saída do Reino Unido da UE.
No entanto, a nível de mobilidade também houve muitos entraves...
Agora é mais difícil não só entrar no Reino Unido e fixar residência, como para qualquer um de nós que queria viajar como turistas. Para entrar no Reino Unido já não é suficiente ter o cartão de cidadão e é necessário apresentar um passaporte. Apesar de ser apenas um documento, é uma medida que acentua os obstáculos ao nível da mobilidade para todos os cidadãos que queiram entrar em território britânico.
Com a inflação a crescer, considera que a adaptação da economia britânica ao Brexit será prejudicada?
Esta nova conjuntura geopolítica e económica é de incerteza e resulta das consequências da guerra da Ucrânia. Isto para um país que está ainda a passar pelo processo de adaptação da saída da União Europeia vai aumentar as dificuldades, porque ao nível económico temos uma conjuntura que está a ser marcada por uma taxa de inflação muito elevada. Obviamente que isto representa uma preocupação para todas as economias, mas o Reino Unido teme esta ferida adicional.
Num cenário em que o Partido Trabalhista esteja no poder, o Reino Unido pode voltar a fazer parte da UE?
Sim. Porém, do ponto de vista da legitimação democrática, seria necessário realizar um novo referendo. Não se poderia voltar as costas à vontade popular, pois seria um forte atentado à democracia. Mas esta hipótese tem de ser vista em duas dimensões. Não só na dimensão da política interna, mas também do ponto de vista da dimensão da política europeia. O Tratado de Lisboa permite que um pais saia da organização, mas também prevê mecanismos políticos que permitem a reentrada, por isso, mesmo que um estado decida abandonar a UE, as portas não ficam totalmente fechadas. Contudo, o primeiro passo tem de ser dado ao nível interno.
O processo de reentrada seria tão demorado como para os novos candidatos?
O processo certamente será demorado. Obviamente não será tão demorado como para os países que estão neste momento em fila de espera para obterem o estatuto de candidato, ou até mesmo pertencerem à UE. No entanto, se se verificasse essa vontade por parte dos britânicos, é muito provável que o processo de adesão fosse mais rápido, nomeadamente porque estamos a falar de um país que já foi estado-membro, portanto tem todo um passado de pertença que certamente iria agilizar esse processo.