Cesarianas sem anestesia e bebés sem leite: ONU alerta para situação limite em Gaza
O Fundo de População das Nações Unidas estima que, neste momento, existam cerca de 50 mil mulheres grávidas na Faixa de Gaza, sendo que mais de cinco mil deverão dar à luz até ao fim deste mês. Hospitais estão sem meios para realizar partos e recém-nascidos correm risco de passar fome nas primeiras horas de vida.
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Numa região onde, segundo dados da Unicef, a taxa de fertilidade é de 4,1 filhos por mulher em idade fértil, uma das maiores preocupações da ONU prende-se com as condições em que milhares de grávidas e recém-nascidos se encontram há quase um mês, desde que explodiu o conflito entre Israel e o Hamas.
Dados do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) apontam que existem cerca de 50 mil mulheres grávidas na Faixa de Gaza, prevendo-se que pelo menos 5500 deverão dar à luz até ao final de novembro. O organismo da ONU contabiliza uma média de 180 partos por dia, dos quais “15% podem apresentar complicações", alerta Dominic Allen, representante do UNFPA para a Palestina, em declarações ao jornal espanhol "El País".
Allen já tinha advertido, numa recente entrevista à "Sky News", que "as grávidas em Gaza não têm para onde ir" e quanto chega o momento do parto muitas não conseguem chegar aos hospitais em segurança devido aos constantes bombardeamentos.
"Têm de dar à luz em casa, com aconselhamento por telefone de médicos ou parteiras”, refere o responsável ao diário espanhol, ao frisar que este acompanhamento à distância só é possível quando as telecomunicações funcionam.
As que conseguem chegar aos centros médicos também não têm a vida facilitada. Falta água, comida e eletricidade, mas pior do que isso: há uma ausência de medicamentos anestésicos no caso das cesarianas.
A especialista em saúde sexual e reprodutiva dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), Raquel Vives, realça que os partos cirúrgicos nestas circunstâncias são operações em que a equipa médica "corta a pele, o músculo e o útero da mulher sem anestesia nem medicamentos", o que apesar de ser extretamente doloroso para as mães, é uma realidade nos hospitais da Faixa de Gaza.
Recém-nascidos sem alimento
“É impensável e terrível o que deve ser para uma mulher passar por uma cesariana nestas condições”, lamenta o responsável da UNFPA, ao lembrar que na estreita faixa de terra houve dias em que este tipo de cirurgias "foram realizadas em corredores, sem luz e em condições desesperantes".
Além das dificuldades no acesso a partos seguros e dignos, as mulheres que acabam de dar à luz passam ainda por outros desafios. De acordo com a responsável da MSF "o parto prematuro" - que, segundo o UNFPA, é uma realidade cada vez mais patente no território palestiniano - ou "a falta de alimentação e hidratação podem dificultar ou impossibilitar o processo de amamentação", deixando os recém-nascidos sem acesso a alimento logo nas primeiras horas de vida.
O recurso a leite em pó também não é, na maior parte dos casos, uma opção viável, tendo em conta que o cerco imposto pelas tropas israelitas à Faixa de Gaza não permite a circulação regular de bens de primeira necessidade. No entanto, quando o alimento chega às mãos das famílias também não é usado, uma vez que sem acesso a água potável não é possível fazer a fórmula alimentar.
O Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários alertou, esta sexta-feira, que a população de Gaza e da Cisjordânia necessita de ajuda no valor de 1,2 mil milhões de dólares (cerca de 1,1 mil milhões de euros) até ao final do ano.
Além de "financiamento adequado", a organização insistiu no "acesso seguro e sustentável a todas as pessoas necessitadas onde quer que se encontrem, um fluxo suficiente de fornecimentos humanitários e, acima de tudo, combustível".
A carência de combustível e eletricidade atormenta grávidas que estão no final da gestação e milhares de famílias que vêm os bebés em incubadoras, que, a qualquer momento, podem ficar sem energia para continuarem a funcionar como suporte de vida de recém-nascidos prematuros.