Representantes de 196 países e da União Europeia comparecem, a partir deste sábado, em Glasgow, Escócia, na 26.ª Conferência de Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP26) com baixas expectativas nas negociações previstas até 12 de novembro.
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O próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou ontem que "há um risco sério de que Glasgow não se cumpra" e que persistem "dúvidas sérias" sobre a possibilidade de compromissos que evitem "a caminhada para a catástrofe climática".
Mesmo o presidente da conferência, o britânico Alok Sharma, disse ao diário "The Guardian": "O que estamos a tentar fazer é na verdade muito difícil, definitivamente mais difícil do que (o Acordo de) Paris".
O que as delegações das 197 partes da Convenção, das quais 120 chefiadas ao nível de chefes de Estado e de Governo, terão sobre a mesa é o conjunto de instrumentos para concretizar os objetivos do Acordo de Paris (2015), de conter em 1,5 graus Celsius (0C) o aumento da temperatura global até ao fim do século e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 50% até 2030.
Os últimos dados da ONU mostram, pelo contrário, que os níveis de compromisso de 192 partes são insuficientes e até aumentarão em 16% as emissões dentro desses oito anos face a 2010, e que a temperatura global aumentará pelo menos 2,7 0C até 2100.
"As metas anunciadas levam a crer que as emissões poderão baixar 7,5% até 2030 se as promessas forem cumpridas, o que é uma redução sete vezes menor do que a necessária", comenta a associação Zero.
China e Rússia até 2060
410 mil pessoas morreram, na última década, em todo o Mundo, devido a desastres relacionados com o clima, que afetaram outros 1,7 mil milhões. Em 2020, havia cerca de 30 milhões de deslocados devido a acontecimentos extremos.
A União Europeia tem os objetivos mais ambiciosos: neutralidade carbónica em 2050 - em que Portugal foi pioneiro, ao adotá-lo em 2016 - e redução de emissões em 55% até 2030.
A China comprometeu-se anteontem a atingir o pico das emissões antes de 2030 e a neutralidade carbónica antes de 2060. Os Estados Unidos prometem reduzir as emissões entre 50% e 52% em 2030, comparadas com os níveis de 2005. E a Rússia promete diminuir as emissões em 79% até 2050 e atingir a neutralidade carbónica em 2060.
Mas há uma condição a garantir: estabelecer regras para a avaliação quantitativa, comparável e transparente, isto é, quanto ao modo como cada país regista e comunica os seus níveis de emissões. A propósito, o ministro português do Ambiente, Matos Fernandes, diz mesmo que se pode enviar para o lixo os dados desde o Protocolo de Quioto.
Espera-se que a COP26 garanta também o financiamento da adaptação às alterações climáticas e a mitigação das emissões nos países pobres. Em 2009, os países ricos comprometeram-se a doar 100 mil milhões de dólares (87 mil milhões de euros), por ano, mas, enfatiza a Zero, continuam por realizar 20%.
A organização espera ainda "justiça" e que a cimeira consagre indemnizações para os países vulneráveis às alterações climáticas, com furacões, inundações, secas, subida do nível do mar e erosão costeira. Até 2030, as perdas e danos custarão aos países em desenvolvimento entre 290 mil milhões e 580 mil milhões de dólares, recorda.
Ministro do Ambiente pouco otimista
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, não está "ainda muito otimista", mas isso "não quer dizer que as coisas não venham a correr melhor" até à CP26, na qual o primeiro-ministro, António Costa, não participará.
Será a cimeira "mais importante que todas as outras", pois espera que os países apresentem compromissos mais ambiciosos para a redução de emissões e abandono da energia com origem em combustíveis fósseis, disse, em entrevista à Lusa.
"Se não conseguirmos (contribuições nacionais mais ambiciosas), a COP, por muito que venhamos a dizer que correu bem, não vai correr tão bem como isso", advertiu.
Portugal apresenta-se em Glasgow como "o país que foi o primeiro no Mundo que disse que ia ser neutro em carbono [em 2050] e o que presidia à União Europeia quando se comprometeu a ser o primeiro continente neutro em carbono em 2050", assinalou.
Portugal participa com o compromisso de, "em dez anos, contribuir com 35 milhões de euros" para o financiamento do trajeto dos países em vias de desenvolvimento para apostar nas energias limpas", acrescentou, referindo-se aos países africanos de língua portuguesa que "têm já problemas graves de adaptação".
"De uma vez por todas, temos de ter regras que sejam as mesmas para Portugal, para os Estados Unidos da América ou para a República Centro-Africana de como é que se contabilizam as emissões", disse. Os créditos de emissões poluentes gerados desde o Protocolo de Quioto (1997), "devem ser todos deitados ao lixo, porque os valores que têm são muito discutíveis, com métricas muito estranhas, pouco transparentes e difíceis de comparar agora".
Pormenores
Presidente da CE apela a ação urgente
Para conter o aquecimento global abaixo de 1,5 0C em 2100, é necessário reduzir as emissões em 50% até 2030. "Não é uma questão de 30 ou 40 anos, é agora, nesta década, que temos de fazer melhor", apelou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
União Europeia ainda "insuficiente"
No índice independente Monitorização da Ação Climática (CAT, na sigla em inglês), a UE, que decidiu reduzir as emissões em 55% até 2030, surge na lista de países com metas insuficientes.
África penalizada pelas consequências
O Produto Interno Bruto do continente africano pode contrair-se até 30% até 2050 se não forem tomadas medidas. Segundo o presidente do Quénia, Huru Kenyatta, 676 milhões de euros em programas de adaptação às alterações climáticas teriam um retorno de 13,5 mil milhões por ano.
Esperadas 30 mil pessoas em Glasgow
Entre governantes, diplomatas e técnicos dos países, peritos, ambientalistas e empresas, são esperadas quase 30 mil pessoas na cimeira. A cerimónia inaugural decorre na segunda-feira. Os líderes farão os seus anúncios nesse dia e na terça-feira.
Xi Jinping, Putin e Bolsonaro ausentes
Não está confirmada a presença física dos presidentes da China, Xi Jinping, da Rússia, Vladimir Putin, e do Brasil, Jair Bolsonaro.