Polónia gasta 353 milhões de euros numa vedação de cinco metros e meio de altura e 186 quilómetros de extensão na fronteira com a Bielorrússia.
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Mais de três décadas após a queda do Muro de Berlim, o Mundo e a Europa em particular retraem-se em todos os receios e reerguem barreiras por todos os lados. Desta vez, não tanto por ordem eminentemente ideológica e militar, mas por medo das vagas de refugiados e de migrantes que fogem às guerras e à pobreza, no Médio Oriente ou em África. A mais recente destas vedações, construída na Polónia, até podia chamar-se Cortina de Ferro 2, não fosse, de facto, um paredão de aço, de cinco metros e meio de altura, estendido ao longo de 186 quilómetros da raia com a Bielorrússia.
Na origem do projeto, orçado em 353 milhões de euros, esteve a crise migratória, desencadeada quando o presidente da Bielorrússia, Aleksander Lukashenko, abriu as portas do país aos refugiados do Médio Oriente, para os conduzir até às fronteiras com a Polónia e com a Lituânia, vizinhos da União Europeia.
Pirataria aérea
A afronta bielorrussa teve origem remota nas constantes denúncias europeias das derivas antidemocráticas de Lukashenko e uma causa mais próxima, ocorrida em maio de 2021, que foi a aplicação de sanções ao regime de Minsk, acusado de ter mandado desviar um voo turístico de Atenas para a capital da Lituânia, Vilnius, com a alegação de que havia uma bomba a bordo, quando o avião percorria o espaço aéreo bielorrusso.
O objetivo era fazer pousar o aparelho em Minsk, com um passageiro muito procurado pelas autoridades bielorrussas, um jornalista dissidente do regime: Roman Protasevic bem suplicou à tripulação que não acreditasse no motivo do incidente de voo e que não executasse as ordens da torre de controlo, mas a rota foi mesmo desviada e o avião pousou na Bielorrússia.
Conclusão do "ato de pirataria aérea", como o qualificou a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen: Protasevic foi prontamente detido e a namorada, que viajava no mesmo voo, foi também presa e condenada, já em maio deste ano, a seis anos de cadeia numa colónia penal. Do jornalista de 27 anos diz-se que permanece em prisão domiciliária, a aguardar julgamento.
Estado de Emergência
Um ano após a apresentação do projeto, a Polónia concluiu, então, a obra faraónica, dotada dos mais modernos sistemas de vigilância e de sofisticados detetores de movimentos. Cerca de 2500 militares serão também destacados para a vigiar a manutenção da segurança. Tudo devidamente assinalado, na última quinta-feira, pela presença do primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, e de altas figuras do Estado. Jornalistas e ativistas dos Direitos Humanos foram mantidos à distância, porque o Governo de Varsóvia, adivinhando a controvérsia, decretou o Estado de Emergêngia ao logo de todos os 550 quilómetros de fronteira com a Bielorrússia.
Ainda assim, Mateusz Morawiecki e a União Europeia não se livraram da celeuma nem das críticas. Organizações dos Direitos Humanos observam "tratamentos diferenciados" entre os refugiados da vizinha Ucrânia - eslavos, na maioria cristãos, mulheres e brancas - e os do distante Médio Oriente e de África, maioritariamente muçulmanos e homens.
"Se deres uma boleia a um refugiado na fronteira com a Ucrânia és um herói. Se o fizeres na fronteira com a Bielorrússia és um traficante e podes apanhar oito anos de cadeia", observa Natalia Gebert, fundadora de uma ONG de defesa dos refugiados, citada pela AP. Um relatório da Human Rights Watch, publicado há duas semanas, também refere que a Polónia, "ilegalmente e, por vezes, violentamente empurra os migrantes de volta para a Bielorrússia, onde sofrem abusos, incluindo agressões e violações, perpetradas por guardas fronteiriços e outras forças de segurança". A Amnistia Internacional também relata "sérios abusos dos direitos humanos". E há registo de 30 mortos por hipotermia durante o último inverno.
Desastre ambiental
Ao drama humanitário junta-se a tragédia ecológica, com riscos de extinção do maior mamífero do continente, o bisonte-europeu. O impacto do muro polaco será enorme para a Floresta Bialowieza, avisam investigadores e ambientalistas. Em causa está um espaço da rede Natura 2000, com 1500 quilómetros quadrados, repartidos entre a Polónia e a Bielorrússia e partilhados por 1200 espécies vegetais únicas, três mil variedades de cogumelos e animais considerados vulneráveis, com o lobo, os veados ou o lince, ou mesmo em perigo de extinção, como os bisontes. Atualmente, a manada conta dois mil destes animais de grande porte, que chegam a atingir dois metros de altura, três de comprimento e uma tonelada de peso.
930 km de aço desde a Guerra Fria
Segundo a Transnational Institute, a Europa construiu, desde o fim da Guerra Fria, em 1990, muros fronteiriços com extensão total seis vezes superior à do Muro de Berlim, vedação de 155 quilómetros que separava a RDA da RFA.
4750 km com as vedações marítimas
Se às vedações terrestres se somarem os controlos biométricos e os "muros virtuais marítimos" da agência Frontex, as cercas fronteiriças da área Shengen atingem quase cinco mil km.