Decisão sobre a presidência de França deverá prender-se com fatores internos, mas analistas dizem que a liderança do Conselho Europeu é uma oportunidade para o presidente se mostrar
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A presidência francesa do Conselho da União Europeia (UE) teve início no primeiro dia do ano e vai decorrer na mesma altura em que os gauleses escolhem o próximo presidente. Embora Emmanuel Macron ainda não tenha apresentado uma candidatura à reeleição, poucos duvidam que não o faça. A questão que se tem colocado é se a presidência da UE poderá beneficiar uma recandidatura do atual líder francês em abril.
"Não acredito que seja a presidência da UE que vá alterar os resultados das eleições francesas", reflete Ana Santos Pinto, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais. A analista acredita que o panorama eleitoral será determinado "por aquilo que são as questões internas e pela forma como os candidatos se apresentam. A gestão da pandemia, essa sim, deverá ser um fator decisivo". Apesar de ainda ser um fator pouco determinativo, a professora de Estudos Europeus realça que a presença gaulesa na UE pode ser uma oportunidade para o país ganhar ainda mais destaque na Europa, sobretudo depois do Brexit.
Já Tiago Moreira Ramalho, investigador em Ciência Política na Universidade Livre de Bruxelas, destaca que este é também o momento do líder francês trazer ao de cima aspetos que lhe são muito próximos. "Macron sempre colocou a Europa no centro do discurso político e é bastante provável que utilize a presidência do Conselho para retomar a imagem de candidato europeísta", analisa o especialista.
Nos próximos seis meses, a agenda europeia vai incluir questões como a soberania e a defesa dos interesses da UE, temas que não causam divisões internas em França, ao contrário de assuntos como a reforma do Espaço Schengen e a proteção das fronteiras externas, e é nestes tópicos que a condução política da Europa pode influenciar negativamente os gauleses, explica Ana Santos Pinto.
Ambos os investigadores convergem na opinião, referindo que ainda é cedo para perceber de que forma é que a presidência europeia vai influenciar o futuro político de Macron, mas de uma coisa estão certos: as condicionantes internas atuais são temíveis.
O populismo não deixa margem para distrações e mostra-se firme através da forte oposição a cada passo de Emmanuel Macron. Nos últimos anos, tem vindo a captar muitos adeptos e tem conseguido alcançar várias metas que se traduzem na polarização do eleitorado. Mas Tiago M. Ramalho alerta que, tento em conta o contexto político atual, as eleições podem "dar lugar a uma segunda ronda entre Macron e a candidata da direita conservadora Valérie Pécresse".
Um passo em falso
Entre as figuras que a representam, a direita tem sido uma pedra no sapato de Macron. Esta semana, o presidente mandou retirar a bandeira da UE hasteada temporariamente sob o Arco do Triunfo em Paris, depois de Pécresse ter acusado o Governo de "apagar" a identidade francesa.
Na perspetiva de Ana Santos Pinto, a decisão de Macron foi ponderada e tomada após ter percebido "que a ideia não foi transmitida, preferindo não insistir em algo que estava a gerar controvérsia". O objetivo, explica a analista, era, através de um ato simbólico, colocar a França "dentro" da UE, mas a intenção do Governo passou a ser utilizada como uma sobreposição da comunidade europeia à esfera nacional. "Neste caso uma explicação não seria eficaz. Macron fez uma avaliação custo-benefício e percebeu que uma possível argumentação seria aproveitada pela narrativa extremista para acentuar a divisão política", constata a investigadora.
Macron tem-se mostrado atento à oposição e já deixou claro que um dos assuntos em que mais se distancia tem a ver com a gestão da pandemia. Numa entrevista ao jornal "Le Parisien", o líder francês assumiu que a ideia da conduta do Executivo é "irritar" os não vacinados, numa clara mensagem para os adversários políticos da ala de extrema-direita, que em várias ocasiões se mostram reticentes com o método de combate ao vírus.
"Esta expressão usada está muita ligada ao confronto discursivo com a extrema-direita. É, de alguma forma, tentar confrontar o discurso anti-vacinação populista", destaca Ana Santos Passos, que embora reitere que a estratégia seria chamar a atenção das pessoas que ainda não se vacinaram, acredita que as palavras do presidente foram longe demais ao dizer que "o irresponsável deixa de ser cidadão". Na ótica de Tiago Moreira Ramalho, esta afirmação "parece constituir uma estratégia política para identificar um bode expiatório para a crise, mais do que uma tentativa de aumentar as taxas de vacinação propriamente ditas".
A dúvida sobre o futuro eleitoral de França permanece, e só em abril será descoberta a preferência dos franceses. Uma coisa é certa, e ficou bem definida pelo Secretário de Estado francês para a Europa, Clément Beaune, a presidência francesa será "em francês", numa tentativa de restabelecer alguma centralidade da língua na condução da política europeia.
Eleições 2022
Fragilidade à esquerda
Em França, a esquerda mostra-se frágil e está mais fragmentada do que nunca, contando com vários candidatos diferentes às eleições presidenciais.
Valérie Pécresse
Pela primeira vez na história da direita moderna, o partido "Os Republicanos"escolheu uma mulher como candidata. Pécresse subiu nas sondagens no início de dezembro de 2021, dando a ideia de que poderá ameaçar Macron.
Marine le Pen
A candidata de extrema-direita, finalista das presidenciais de 2017, volta a afrontar Macron, mas este ano, de acordo com as sondagens até agora divulgadas, não deverá chegar à segunda volta, sendo arrasada pela candidatura de Valérie Pécresse.
Éric Zemmour
Apelidado por muitos como "Trump Francês", Zemmour deve a fama à televisão. O candidato independente está a tirar fôlego a Le Pen, embora seja considerado racista por criticar repetidamente o Islão e a imigração.
Sondagens atuais
Esta é a última oportunidade para Macron se candidatar a presidente de França, já que a Constituição apenas permite dois mandatos. O líder é dado como favorito nas sondagens, com uma intenção de voto que varia entre os 23% e os 25% na primeira volta.
Datas para votar
As eleições francesas ocorrem em abril deste ano, sendo que a primeira volta está marcada para dia 10 e a segunda para dia 24.