Desconhecido há dois anos, Conte livrou-se da tutela Liga de extrema-direita, coligou-se com o centro-esquerda e viu a crise sanitária fazer subir a aceitação por parte dos italianos.
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O Palácio Chigi, em Roma, acolheu-o como um perfeito desconhecido. Era junho de 2018 e o advogado Giuseppe Conte, então com 54 anos, entrava como independente sem experiência política, mas convencido pelo populista Movimento 5 Estrelas (M5S), para a presidência do Conselho de Ministros de Itália. Primeiro-ministro do Governo mais eurocético de sempre. Dois anos depois, viu a extrema-direita sair da coligação que representava, impecável nos seus fatos perfeitos, dando lugar ao centro-esquerda e à visão pró-europeia que assumiu como uma luva, crescendo para lá do M5S em que nunca se inscreveu. Até que veio um vírus da China. Giuseppe Conte catapultou-se. E apesar dos pesares - Itália foi o primeiro país europeu a levar a bofetada da pandemia e o que teve muito tempo a pior marca da União, até ser derrotado por Espanha (em números relativos) - é campeão de popularidade.
Hoje, Conte tem o M5S dilacerado entre ser movimento antissistema que foi no início, ser o partido progressista no sistema que foi perecendo com o tempo, ou ser simplesmente o aliado populista do outro populista que com ele governou, a Liga. Nas eleições de 2018 que o colocaram no poder, o M5S recolheu 33% dos votos, o mais votado individualmente. Associou-se à Liga de Matteo Salvini, de extrema-direita, que conseguira 37% numa aliança de partidos de Direita e extrema-direita, mas que valia, isolada, apenas 17% dos assentos parlamentares. Foi o que valeu ao M5S para se manter no Governo quando a Liga falhou no intento de antecipar eleições, recoligando-se com o Partido Democrata. E a Conte para seguir dirigindo.
Popularidade chegou aos 66%
As sondagens dão agora 16% ao M5S, que até já viu o líder, Luigi di Maio, entregar o leme do partido, ainda que mantendo-se ministro dos Negócios Estrangeiros. Isto se Conte não resolver, por alguma razão, tomar conta do barco.
Aí, as sondagens sobem até algures perto dos 30%. Porque a popularidade do "advogado do povo" que se fez "pai do povo" ao aparecer todos os dias na televisão a liderar a comunicação das más notícias sanitárias subiu de 41% em fevereiro para 66% no pico da pandemia e anda atualmente a namorar os 60%. Sozinho, se assim decidisse apresentar-se (diz que nem "um milésimo de energia" gasta a pensar nisso), Conte granjearia 15%...
Porquê? Porque deu o corpo às balas. Porque anunciou a chegada em força da epidemia ao Norte do país (governado pela Liga), porque não teve pejo em decretar o seu fechamento, porque não teve papas na língua ao acusar a Europa de falta de solidariedade num altura em que lhe faltava tudo e sobretudo máscaras e ventiladores, retidos pelos vizinhos, porque optou por governar por decreto para acelerar as coisas, porque ergueu a face no dia em que confinou, sem apelo nem agravo, toda a Itália. Porque, aqui e ali, admitiu que a situação era catastrófica, mas nunca baixou os braços, até anunciar o "renascimento de Itália", como quem lança uma "marca" para apagar a imagem de "leproso" da Europa.
Líder da luta por apoio da UE
Anteontem, numa curta visita a Lisboa para preparar o próximo Conselho Europeu de dia 17 - que se anuncia difícil pela discussão do fundo de recuperação europeu pós-crise e exige a unidade dos mais sacrificados, Portugal, Itália e Espanha, cujo chefe de Governo esteve cá na segunda-feira e recebeu ontem o italiano -, Conte insistiu na postura forte que marcou a gestão da pandemia: "Ou vencemos todos juntos, ou perdemos todos juntos". Está dada a mensagem à Europa - pode contar com um político determinado que tem muito pouco a ver com o figurante que lhe bateu o pé quando se discutiu a imigração, só porque era porta-voz de outros.
Quando liderava o seu primeiro Governo, Conte fora pouco mais do que uma marioneta, praticamente inerte nos círculos europeus. Porque o leme estava, de facto, na mão de Salvini, o seu eurocético vice-primeiro-ministro e polémico ministro do Interior.
Agora, no segundo Governo, Conte parece renascido das cinzas, resgatado pela maior tragédia da história contemporânea do país. Tem em mãos o 66.o Governo em 72 anos de democracia republicana e já fez constar que conta levá-lo ao fim, em 2023. Seria quase inédito. Até porque tem pela frente a maior crise económica também, ameaçadora quando se fala da segunda maior dívida da Zona Euro.