Um trabalho liderado pelo laboratório de Shoukhrat Mitalipov, da Universidade da Saúde e Ciência de Oregon, nos EUA, abriu caminho para mostrar que é possível que uma célula da própria pele, com 46 cromossomas, se converta num óvulo funcional com 23. A experiência já levantou várias questões éticas.
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Num estudo publicado na terça-feira na revista Nature Communications, os investigadores descrevem como transformaram as células da pele em ovócitos capazes de serem fertilizados pelos espermatozoides. Segundo o jornal "El País", os investigadores implementaram uma técnica conhecida como Transferência Nuclear de Células Somáticas, a mesma que se utilizou para a colonagem da ovelha Dolly, em 1996.
A descoberta abre a porta a que mulheres inférteis possam ter descendência genética, sem recorrer a óvulos doados. "Isto também permitiria que casais do mesmo sexo tivessem um filho geneticamente relacionado com ambos os parceiros", referiu à agência France-Presse (AFP) uma das autoras do estudo, Paula Amato, investigadora da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, nos Estados Unidos.
Os riscos são elevados, uma vez que países como a França enfrentam uma escassez de gâmetas doados em comparação com a procura. No entanto, Amato alertou imediatamente que serão necessários pelo menos dez anos para que a investigação beneficie finalmente os doentes inférteis.
Remover cromossomas
Foram utilizadas células humanas na experiência, ao ponto de se desenvolverem em embriões, embora estes tenham sido rapidamente destruídos.
Os investigadores removeram os núcleos dos ovócitos e substituíram-nos por aqueles que foram retirados de células da pele. O objetivo era garantir que a célula pudesse ser fertilizada por um espermatozoide. Isto só é possível se ela tiver 23 cromossomas, aos quais se juntam os 23 do espermatozoide.
No entanto, como todas as células não reprodutoras, as células da pele possuem 46 cromossomas. Os investigadores removeram, por isso, metade deles, usando uma técnica a que chamaram "mitomeiose".
De seguida, tentaram fertilizar essas células com espermatozoides. Destes óvulos candidatos, cerca de dez desenvolveram-se em embriões que duraram alguns dias, uma fase teoricamente suficiente para os implantar numa paciente durante a fertilização in vitro.
No entanto, estes embriões continham inúmeras anormalidades, um sinal de que a investigação ainda está em fase de experiência em laboratório e não de um avanço médico concreto.
Outros cientistas estão a seguir um caminho diferente, mas igualmente promissor, ao procurarem "reprogramar" as células não reprodutoras, trazendo-as de volta a um estádio em que seriam indiferenciadas, ou seja, ainda não especificamente células da pele, do coração ou do cérebro.
Questões éticas
Toda esta investigação está já suficientemente avançada para que os reguladores questionem a estrutura que um dia deveria ser dada a tal avanço médico, seguindo o exemplo da Agência Francesa de Biomedicina.
Numa publicação no seu site na quinta-feira, a agência acredita que a criação artificial de gâmetas "poderá mudar profundamente o panorama da reprodução humana".
É "provável que altere profundamente a dinâmica da formação familiar, as normas sociais que rodeiam a reprodução e os laços genéticos que as fundamentam", acredita a agência pública.
Para muitas mulheres, a principal causa de infertilidade é a ausência de óvulos que funcionem, sobretudo a partir dos 35 anos, quando a qualidade começa a descer drasticamente. Se as técnicas para estimular os próprios óvulos falham, a única opção é recorrer a óvulos doados, mas isso significa renunciar a ter descendência do próprio ADN.