De Nikita Krushchov a Vladimir Putin: a retoma do clima de Guerra Fria e das rivalidades estratégicas que põem o mundo sob a ameaça do terror nuclear.
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Entre Nikita Krushchov e outro estadista russo, Vladimir Putin, que, na quinta-feira, deu uma aula de segurança internacional, decorreram seis décadas e reinstalou-se o mesmo terror da Guerra Fria que, em 1962, pôs o mundo à beira do desastre nuclear, num incidente que a História registou como a "Crise dos Mísseis de Cuba", confronto geopolítico que quase pôs os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS) em guerra total.
Esses 13 dias de enorme tensão militar, entre 14 e 27 de outubro de 1962, tiveram uma causa próxima, os mísseis balísticos que Moscovo, muito dissimuladamente, instalou em Cuba e apontou aos EUA (mas logo descobertos e fotografados pelo célebre U2, avião da espionagem americana) e também uma origem remota, a das rivalidades geo-estratéticas, abertamente declaradas ainda nos anos 1950 e que atingiram o ponto culminante em Cuba.
A Baía dos Porcos
No início da década de 1960, os EUA tentaram derrubar o regime de Fidel Castro, por todos os meios, incluindo militares, como foi a da tentativa de invasão da ilha por 15 mil exilados cubanos, armados e treinados pela CIA.
Após o fracasso desta operação na costa sudoeste de Cuba - o "Desembarque da Baía dos Porcos", como ficou registada na História e nas inúmeras realizações de Hollywood -, o regime de Castro, instalado pela revolução de 1959, tratou de obter o apoio soviético. E Moscovo viu em Cuba a oportunidade de reequilibrar o terror nuclear. O então presidente da URSS, Nikita Krushchov, queixava-se de estar em inferioridade estratégica, até porque os EUA também tinham instalado na Turquia mísseis intercontinentais apontados à URSS.
Em Washington, um jovem presidente, de 45 anos, apanhou com a crise em cheio. Eleito em janeiro de 1962, John F. Kennedy teve de lidar com o momento de total instabilidade e também com a intransigência do Politburo soviético, do qual ressaltou, finalmente, a clareza diplomática de Krushchov.
Destruição assegurada
Na acumulação de ameaças e de retaliações apocalípticas e na iminência da "Mutual Assured Destruction (Destruição Mútua Assegurada)", doutrina militar conhecida pela sigla inglesa MAD ("louca"), o presidente russo de 68 anos tratou de abrir negociações secretas com o jovem homólogo.
A tensão subiu ainda mais com o abate de um U2 por um míssil soviético, mas nem isso cortou o diálogo secreto entre as superpotências, porque a ordem de tiro não partiu de Moscovo, mas das tropas cubanas, como Krushchov jurou a Kennedy. Ato contínuo, a Casa Branca e o Kremlin instalaram uma comunicação direta, o chamado "telefone vermelho", que permitiu estabelecer contactos e negociações mais diretas e até menos formais entre os presidentes dos dois países durante outros episódios críticos da Guerra Fria.
"Viragem histórica"
A solução foi achada em 27 de outro de 1962 e anunciada um dia depois, faz esta sexta-feira rigorosamente 60 anos: a URSS retirou os mísseis em troca da promessa dos EUA de não voltarem a invadir a ilha, o que originou o historial de embargos americanos, que Obama aligeirou, que Trump retomou e que Washington mantém, pela Lei do Comércio com o Inimigo, de 1917.
Seis décadas depois, as pontas da História voltam a unir-se, com todas as semelhanças mas com um discurso, o de Putin, ainda mais beligerante. "O mundo está num ponto de viragem histórico, na década mais perigosa e imprevisível desde os tempos da Segunda Guerra Mundial", avisa o chefe do Kremlin, que ordenou a ofensiva militar em curso na Ucrânia.