No bairro do Sul de Londres não há qualquer elemento alusivo à coroação do rei. Dois mundos, uma cidade, onde apenas se destaca um "súbdito britânico".
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Pouco mais de cinco quilómetros separam o entusiasmo que se vive em Westminster, junto ao Palácio de Buckingham, da pacatez matinal de Brixton. Enquanto os fanáticos pela monarquia se atropelam para conseguir um lugar privilegiado no The Mall, o bairro do Sul de Londres - berço de David Bowie - amanhece com outra inquietude: montar as bancas que sustentam os pequenos negócios que permitem ao mercado a céu aberto transformar-se num local de imersão multicultural.
O cheiro que surge das panelas colocadas no meio das tendas de rua, as roupas coloridas penduradas nos varais, as frutas tropicais que emergem nas montras, as inúmeras lojas de produtos capilares para cabelos crespos ou bandeiras da Jamaica hasteadas a cada passo são o retrato de uma comunidade cujo um quarto da população é de origem caribenha e a quem a palavra "coroação" nada diz. Alheados do grande evento nacional, compenetram-se no caminho que têm pela frente e quando questionados sobre o novo rei apenas abanam a cabeça sem proferir qualquer apreciação.
Na principal rua de Brixton, onde apenas os caraterísticos autocarros vermelhos e os edifícios de arquitetura vitoriana permitem não esquecer que se está em Londres, não há qualquer elemento decorativo alusivo aos festejos em honra de Carlos III, nem uma ou outra loja de artigos comemorativos da data. Surge apenas uma modesta banca, que começa a ser apetrechada com bandeiras, camisolas e chapéus com a imagem do monarca.
Súbdito solitário
O "súbdito britânico", que há 66 anos nasceu algures na Commonwealth, vive em Brixton há um quarto de século: "Adoro a família real". Mesmo sabendo que na zona há pouco ou mesmo ninguém que partilhe consigo o sentimento, não se deixa desmotivar e continua empenhado na missão que resolveu encabeçar. "O meu trabalho é vencer o meu povo. O rei merece uma oportunidade para ser apoiado", realça, sem ceder a dizer o próprio nome.
Desvaloriza as ligações da realeza à teia de escravatura nas colónias do Império Britânico e enfatiza que o Reino Unido "já distribuiu fundos por vários países que têm marcas pesadas". Com a mesma força com que defende a Coroa segura as bandeiras com as cores da Grã-Bretanha e tenta impressionar quem passa. Mas quem segue apressado não para na tentativa de negociar os preços dos souvenirs já vendidos a preço de saldo.
"Há dias melhores que outros", admite, na esperança de que da estação de metro, localizada a poucos metros do ponto de venda por si montado, saiam turistas ou curiosos que queiram ver o que expõe.
Quando as celebrações da coroação chegarem ao fim, o bairro de Brixton não notará diferenças na azáfama, já o vendedor incógnito volta à rotina com a venda de produtos mais procurados. Incenso e porta-chaves da Jamaica dão-lhe o sustento durante todo o ano e a chave do sucesso é para manter.