A embaixadora da Ucrânia, Inna Ohnivets, garante o compromisso diplomático na procura de solução para a crise, mas assegura que país está militarmente a postos para responder a uma agressão russa.
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A Ucrânia tem no terreno uma estratégia diplomática ativa para conter a escalada russa, mas encontra-se igualmente preparada para se defender de uma agressão. A embaixadora ucraniana em Portugal assegura que o país está hoje "muito mais bem preparada" para se defender do que estava no início da agressão russa, há oito anos. Inna Ohnivets lembra que conflito com a Rússia no leste do país matou mais de 15 mil ucranianos.
A pedido da embaixadora o JN escreveu Kyiv, respeitando a grafia ucraniana do topónimo da capital.
A Rússia, dados do Ministério da Defesa da Ucrânia, tem milhares de militares junto da fronteira com a Ucrânia. Quase tantos como em abril de 2021. O perigo de uma invasão é maior do que há cerca de um ano?
O conflito armado da Rússia contra a Ucrânia dura há oito anos. Provocou grande sofrimento e perdas humanas, já morreram mais de 15 mil cidadãos ucranianos. Atualmente, a situação agravou-se significativamente, pois a Rússia concentrou cerca de 130 mil militares nas fronteiras com a Ucrânia, na Crimeia ocupada e na parte ocupada de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia.
Face a essa escalada, o que tem feito a Ucrânia?
Tem uma estratégia diplomática bem ponderada para combater a escalada russa. Nos últimos dias, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, conversou com os presidentes dos EUA e da França. Durante a visita oficial do presidenteda Turquia, Recep Tayyip Erdogan, foram assinados vários documentos bilaterais, em particular no campo da defesa. Para demonstrar solidariedade com a Ucrânia, os primeiros-ministros da Polánia, Reino Unido e Holanda fizeram visitas oficiais à Ucrânia.
Em janeiro, a Rússia começou a enviar soldados para a Bielorrússia para exercícios de combate nas fronteiras da União Europeia (UE) e da Ucrânia. Como acompanham esse movimento?
Preocupa-nos que, de 10 a 20 de fevereiro, os exercícios militares russo-bielorrussos ocorram perto das fronteiras da Ucrânia e da UE. Muito recentemente, a Rússia transferiu cerca de 30 mil soldados para a Bielorrússia e equipamentos militares, incluindo sistemas de mísseis Iskander-M. Neste momento tenso, consideramos esses exercícios militares de grande escala nas imediações da fronteira ucraniana como uma intimidação e uma manifestação de intenções agressivas da Rússia e da Bielorrússia contra os países vizinhos.
Como é que os países vizinhos veem essas ações?
As nossas preocupações são partilhadas pelos governos democráticos da Europa. 77 eurodeputados assinaram um apelo aos presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho Europeu e da Comissão Europeia para que estejam atentos às ações da Rússia na Bielorrússia. Os mesmos expressaram preocupação com o envio de tropas russas para a Bielorrússia, pois tal representa uma ameaça para os países vizinhos. O documento enfatiza que a presença de tropas russas no país, a convite do presidente ilegítimo Alexander Lukashenko, deve ser vista como ocupação.
Biden fez saber que não é opção excluir a Ucrânia da adesão à NATO. Estará Kyiv disposta a desistir do processo de integração na NATO a bem de uma solução de paz com a Rússia?
Consideramos ilegais as exigências da Rússia para não expandir a NATO a Leste. Os países ocidentais responderam com uma posição firme e consolidada: a independência e a integridade territorial da Ucrânia, bem como a política de portas abertas da NATO nunca foram, não são e não serão negociadas, tal como a Rússia pretende. A decisão sobre se a Ucrânia pode aderir à NATO será tomada apenas pela Ucrânia e pelos 30 membros da Aliança, esta é a resposta clara da NATO à chantagem política da Rússia.
Um acordo de pacificação com a Rússia implicaria a saída dos russos da Crimeia, ocupada desde 2014? Se sim, qual a solução para este território?
Em 2020, a Ucrânia iniciou a Plataforma da Crimeia, com o objetivo de resolver pacificamente o retorno da Península da Crimeia à Ucrânia, ocupada temporariamente pela Rússia em 2014. A Plataforma foi lançada oficialmente com uma Cimeira, em agosto de 2021, em Kyiv. No evento foi aprovada uma Declaração conjunta que define os principais parâmetros da política internacional em relação à Crimeia. O Governo português foi representado pelo Ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho. A Rússia ignora os apelos da Ucrânia e dos países ocidentais, incluindo Portugal, para se juntar às negociações de paz sobre a Crimeia.
Como avalia a resposta da comunidade internacional? Considera o pacote de medidas robusto e capaz de conter a ameaça russa?
A Ucrânia e seus parceiros estão a enveredar esforços para criar um pacote abrangente de medidas para dissuadir a Federação Russa de novas agressões contra a Ucrânia. Além das novas sanções económicas e aumento do apoio militar às Forças Armadas da Ucrânia, a diplomacia ativa para manter o diálogo com a Federação Russa faz parte dessas medidas. A Ucrânia agradece à Alemanha e à França pelo seu apoio na realização de uma reunião de conselheiros dos líderes do "Formato da Normandia".
Como vivem os ucranianos com a atual situação de tensão quando há profundos laços históricos, culturais e humanos com a Rússia?
A Ucrânia vem desenvolvendo-se como o maior país europeu com um rico património histórico e cultural. Tem estreitos laços históricos, culturais e humanitários com muitos países, e o nível dessas relações depende principalmente do apoio do povo ucraniano na luta justa para restaurar a integridade territorial da Ucrânia e libertar os territórios ocupados pela Rússia. Durante três décadas, a Rússia tem vindo propositadamente a executar uma política neo-imperial de "aquisição de terras" para restaurar o antigo império russo.
Em que consiste essa política russa?
Um dos principais mecanismos da agressão da Rússia contra as ex-repúblicas soviéticas, incluindo a Ucrânia, é a tentativa de expansão humanitária, através do projeto "mundo russo" (Russkiy Mir), que envolve a invasão das esferas religiosa, linguística, educacional e cultural da Ucrânia soberana. A Rússia tem tentado mitificar a história, reivindicando o legado da Kyivska Rus. Com a implantação da agressão armada da Rússia contra a Ucrânia, na primavera de 2014, os agentes russos usaram amplamente a ideologia do "mundo russo" para mobilizar sentimentos separatistas entre os moradores das regiões de Donetsk e Luhansk, de modo a dividir a Ucrânia.
Como se prepara um país para outra possível guerra?
Os ucranianos estão prontos para repelir o inimigo, no caso de uma escalada do conflito armado da Rússia contra a Ucrânia. A Ucrânia está, sem dúvida, mais bem preparada para defender o seu território do ataque do país-ocupante, a Rússia, do que estava no início da agressão, em 2014.
O Ministro dos Negócios de Estrangeiros português classificou "como excelente" o relacionamento entre Portugal e a Ucrânia...
Este ano assinala-se o 30.º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre a Ucrânia e Portugal. Valorizamos a posição firme de Portugal como membro da UE e da NATO, que demonstra um apoio inabalável à Ucrânia neste momento difícil. O alto nível de cooperação estabelecido entre os nossos países durante este período de tempo atesta o interesse mútuo de ambas as partes em aprofundar ainda mais a cooperação mutuamente benéfica.
Que mensagem deixa aos ucranianos a viver em Portugal?
Agradecemos à comunidade ucraniana em Portugal pela posição ativa de apoio à Ucrânia e pela solidariedade para com a Ucrânia, neste momento em que resistimos à agressão militar da Federação Russa. Os ucranianos no estrangeiro, em particular, em Portugal, são uma voz poderosa no mundo, apoiando as aspirações europeias e euro-atlânticas da Ucrânia, divulgando a verdade sobre a situação na Ucrânia entre a comunidade portuguesa, promovendo ações de protesto contra a propaganda russa e atraindo ajuda humanitária e benevolência às vítimas da agressão russa no leste da Ucrânia. Estamos convencidos de que, juntos, restauraremos a integridade territorial da nossa Pátria.