A Amnistia Internacional denunciou esta quarta-feira detenções "maciças e arbitrárias" e deportações ilegais de refugiados do Sudão no Egito, pessoas que fugiram do conflito desde abril de 2023 entre o exército e forças paramilitares de Apoio Rápido (RSF).
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No relatório "Algemados como criminosos perigosos: detenção arbitrária e regresso forçado de refugiados sudaneses no Egito", a ONG internacional revela que as forças de segurança estão a deter ilegalmente e a deportar aquelas pessoas para o Sudão sem um processo justo ou a oportunidade de pedir asilo, e em violação do direito internacional.
De acordo com o mesmo documento, há provas de que milhares de refugiados sudaneses foram arbitrariamente detidos e expulsos do país, depois de o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) ter estimado que 3000 pessoas foram deportadas do Egito para o Sudão só em setembro de 2023.
"É inconcebível que mulheres, homens e crianças sudaneses que fogem do conflito armado no seu país e procuram segurança do outro lado da fronteira, no Egito, sejam detidos (...) e sujeitos a detenções arbitrárias em condições deploráveis e desumanas, e depois deportados ilegalmente", afirmou a Diretora Regional Adjunta da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Sara Hashash.
"As autoridades egípcias (...) têm de cumprir as suas obrigações ao abrigo dos direitos humanos internacionais e do direito dos refugiados: proporcionar às pessoas que fogem do conflito no Sudão uma passagem segura e digna para o Egito e um acesso sem restrições aos procedimentos de asilo", acrescentou a responsável.
O Egito acolhe milhões de sudaneses há décadas, que estudam, trabalham, investem ou recebem cuidados de saúde no país, estando as mulheres e raparigas sudanesas, bem como as crianças com menos de 16 anos e os homens com mais de 49 anos isentos dos requisitos de entrada.
Mas, na sequência do início de um conflito no Sudão, cerca de 500.000 pessoas fugiram para o Egito, e em maio de 2023 as autoridades egípcias impuseram a obrigação de visto de entrada a todos os sudaneses, o que levou os fugitivos a recorrerem a passagens irregulares da fronteira para escapar ao conflito no país.
Assim, no relatório enumeram-se os casos de 27 sudaneses arbitrariamente detidos juntamente com 260 outras pessoas entre outubro de 2023 e março de 2024 e revela que as autoridades deportaram à força 800 sudaneses entre janeiro e março deste ano.
No documento salienta-se ainda que estas ações foram acompanhadas por um aumento do sentimento racista na Internet e nos meios de comunicação social do país, enquanto altos responsáveis egípcios criticaram o "fardo" de acolher "milhões" de refugiados. Tudo num momento em que a União Europeia (UE) aumentou a cooperação com o Egito em matéria de migração e controlo das fronteiras.
A UE e o Cairo assinaram um acordo de cooperação de 80 milhões de euros em outubro de 2022, que incluía o reforço das capacidades dos guardas de fronteira para conter a migração irregular e o tráfico de seres humanos, enquanto um novo pacote de ajuda em que a migração é um pilar fundamental foi acordado em março de 2024.
"Ao cooperar com o Egito no domínio da migração sem salvaguardas rigorosas em matéria de direitos humanos, a UE arrisca-se a ser cúmplice das violações dos direitos humanos no Egito", sublinhou Hashash, acrescentando que aquele bloco de países "deve pressionar as autoridades egípcias a tomar medidas concretas para proteger os refugiados e os migrantes".
"Se existirem riscos ou relatos de abusos, a cooperação deve ser interrompida ou suspensa imediatamente",frisou.
A guerra no Sudão começou a 15 de abril de 2023, devido a fortes divergências sobre o processo de integração do grupo paramilitar nas forças armadas sudaneses, situação que levou ao retrocesso definitivo da transição de Governo iniciada em 2019 após o derrube, por um golpe de Estado, do regime do então Presidente, Omar Hassan al-Bashir.
De acordo com dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), os combates já causaram mais de dez milhões de pessoas deslocadas internamente. O conflito no país, com cerca de 50 milhões de pessoas, teve o seu epicentro nas últimas semanas na cidade de Al Fasher, capital do Darfur do Norte, onde cerca de 800 mil civis permanecem encurralados no meio de intensos confrontos entre o exército e as RSF, que impuseram um cerco à cidade.