Um glaciar a derreter nos Alpes alterou a fronteira entre a Suíça e a Itália, colocando em disputa a localização de uma pousada nas montanhas italianas.
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A fronteira localiza-se ao longo de uma divisão de drenagem - o ponto em que a água derretida escorrerá de ambos os lados da montanha em direção aos dois países. Porém, o recuo do glaciar Theodul fez com que o divisor de águas se arrastasse em direção ao Rifugio Guide del Cervino, um refúgio para visitantes perto do pico Testa Grigia, de 3480 metros de altitude.
Coloca-se agora a questão: o refúgio é italiano ou suíço? Quando foi construído num afloramento rochoso em 1984, as 40 camas e longas mesas de madeira do refúgio estavam inteiramente em território italiano. Agora dois terços do alojamento, incluindo a maioria das camas e o restaurante, estão tecnicamente localizados no sul da Suíça.
A questão surgiu porque a área, que depende em grande parte do turismo, está localizada no topo de uma das maiores estâncias de esqui do mundo. Um acordo foi fechado em Florença em novembro de 2021, mas o resultado só será revelado quando for carimbado pelo governo suíço, o que não acontecerá antes de 2023.
"Concordámos em dividir a diferença", disse Alain Wicht, diretor de fronteira da agência nacional de mapeamento da Suíça, a Swisstopo, cujo trabalho inclui tratar dos sete mil marcos ao longo da fronteira da Suíça com a Áustria, França, Alemanha, Itália e Liechtenstein.
"O refúgio continua italiano porque sempre fomos italianos"
Embora o resultado permaneça em segredo, o dono do refúgio, Lucio Trucco, de 51 anos, foi informado de que permanecerá em solo italiano. "O refúgio continua italiano porque sempre fomos italianos", disse. "O menu é italiano, o vinho é italiano e os impostos são italianos."
Enquanto alguns resorts de altitude média estão a preparar-se para o fim do esqui alpino devido ao aquecimento global, é possível esquiar durante todo o verão nas encostas de Zermatt-Cervinia, mesmo que essas atividades contribuam para o recuo do glaciar. "Temos de valorizar esta área, porque com certeza será a última a morrer", afirmou Trucco.
Ajustes na fronteira são frequentes
Entre 1973 e 2010, o glaciar Theodul perdeu quase um quarto da sua massa, o que expôs a rocha debaixo do gelo, alterando a divisão de drenagem e forçando os dois países vizinhos a redesenhar um trecho de 100 metros da fronteira.
Segundo Wicht, estes ajustes são frequentes e geralmente resolvidos pela comparação de leituras de agrimensores dos países fronteiriços, sem envolver os políticos. "Estamos a lutar por um território que não vale muito", disse Wicht, acrescentando que este "é o único local onde subitamente há um edifício envolvido", dando "valor económico" ao terreno.
Já de acordo com Jean-Philippe Amstein, ex-diretor da Swisstopo, estas disputas são normalmente resolvidas com a troca de parcelas de terra de área e valor equivalentes. Neste caso, "a Suíça não está interessada em obter um pedaço de glaciar" e "os italianos não conseguem compensar a perda de superfície suíça".