Nos oito dias que passaram desde o início da guerra na Ucrânia, Kseniia dormiu no carro, num autocarro e num pavilhão. Separou-se dos amigos que não podem fugir. Fez outros pelo caminho. E conseguiu chegar à Polónia, de onde em breve parte para Israel, onde ficará um mês. "Espero que, nessa altura, a guerra já tenha acabado e eu possa voltar", diz ao JN.
Corpo do artigo
Kseniia Chyzhova, 29 anos, nascida em Chernihiv, a viver em Kiev. A primeira cidade, onde vivem os pais, próxima da Rússia, foi tomada pelas tropas invasoras, que mataram pelo menos 33 civis quando, na quarta-feira, bombardearam várias áreas residenciais, destruindo também um depósito de petróleo e uma escola, a escola onde estudou e onde estava a funcionar um centro de assistência humanitária montado em cima do joelho. A segunda cidade, capital da Ucrânia, segue sob forte ameaça e em resistência esforçada desde que a guerra começou. Já passou mais do que uma semana.
Os primeiros bombardeamentos que ouviu na manhã da sexta-feira passada deram-lhe o sinal de que, mais hora menos hora, teria de fugir. Primeiro da cidade, depois do país, como viria a acontecer (de acordo com o mais recente balanço do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, um milhão de pessoas saiu da Ucrânia). Nas duas primeiras noites, dormiu no carro, com amigos, num parque de estacionamento subterrâneo. Dormiu como quem diz. "Não consigo dormir. Não consigo comer por causa do stress. Estou muito cansada", contou ao JN apenas horas depois do início da ofensiva. "O nosso país precisa de ajuda de todo o Mundo", dizia, e ainda só se via a ponta de um icebergue que pode ser ainda maior do que já se mostra. O culpado tem um nome, aponta: "Este é o golpe de Putin."
Cinco horas e meia de Lviv de autocarro até à Polónia
No dia seguinte, sábado, o desespero aumentava: "As coisas não estão mais calmas e eu não consigo ir para a estação de comboios. Quero ir para outra cidade e para as fronteiras. Quero fugir da Ucrânia." Acabou por conseguir fazê-lo, mas foi muito o que deixou para trás. A terra, os pais, os amigos - por causa da Lei Marcial, homens com idade entre os 18 e os 60 anos elegíveis para serviço militar não podem sair do país. Rumou de autocarro e mochila às costas até Lviv, na fronteira com a Polónia, por onde milhares de pessoas estão, como ela, a entrar para território da União Europeia.
Na segunda-feira, passou a noite num pavilhão que está a receber os refugiados que chegam a Lviv e depois voltou a fazer-se à estrada. Cinco horas e meia noutro autocarro até à Polónia. "Pelo caminho, conheci boas pessoas. Duas mulheres vieram comigo de Kiev até Lviv e agora vamos juntas para Varsóvia, porque estamos na mesma situação. Uma delas vai apanhar um voo amanhã para os Estados Unidos, onde vive o filho. A outra vai para a Turquia. Eu vou ficar na Polónia uma semana e depois vou para Israel, onde tenho amigos que me oferecem estadia durante um mês. Espero que, nessa altura, a guerra já tenha acabado e eu possa voltar", partilhou com o JN na quinta-feira, esperançada mas de rastos pelo "brutal ataque" que atingiu a cidade-natal, onde ainda estão os pais.
"É muito assustador."