Dos cúmplices à geolocalização: como foi apanhado o mafioso mais procurado de Itália
Mafioso mais procurado de Itália ficou a descoberto com a estratégia policial de enfraquecer a rede que o protegia. No fim, foi tramado pelas conversas dos cúmplices e pela geolocalização do telemóvel do homem por quem se fazia passar para fazer tratamentos oncológicos.
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Um agente abordou-o e perguntou-lhe o nome. O mais procurado dos chefes da máfia de Itália, apanhado na segunda-feira à saída de uma clínica de oncologia em Palermo, não tremeu e respondeu como se soubesse que os 30 anos que passara a fugir aos radares da Polícia tinham chegado ao fim. "Sabe quem eu sou. Sou Matteo Messina Denaro", respondeu sem hesitações. Condenado à revelia em 2002 por uma série de homicídios com contornos macabros, o "padrinho siciliano" e responsável máximo por um chorrilho de crimes de tráfico de drogas, prostituição, extorsão e lavagem de dinheiro, Denaro está agora (e estará) numa prisão de segurança máxima na cidade de L'Aquila.
Até há dois dias, a Carabinieri (Polícia militar italiana) não tinha completa certeza de que o homem cujos passos havia vigiado nos últimos tempos era mesmo o líder do grupo criminoso Cosa Nostra, que deixa para trás um longo rasto sangrento e impiedoso de vítimas. Mas, ao fim de anos de investigação meticulosa, a margem de erro era curta e a detenção à porta da clínica de La Maddalena foi certeira.
Desaparecido desde 1993 e a lutar contra um cancro há mais de um ano, o "chefe dos chefes" da máfia italiana, - que alguns supostos avistamentos colocavam em vários países, desde a Venezuela aos Países Baixos - acabou por ver-se apanhado no coração da sua terra natal. "Demorou muito tempo para prendê-lo porque, como aconteceu com outros chefes da máfia, estava protegido por uma rede muito densa de cúmplices, profundamente enraizada e extremamente poderosa na Sicília e lá fora", explicou o jornalista italiano Andrea Purgatori à BBC. Tanto que, durante muito tempo, Denaro sentia-se protegido o suficiente "para andar livremente pelas ruas de Palermo, a capital moral da Cosa Nostra".
Polícia desfez rede de proteção para chegar a Denaro
Em conferência de imprensa depois da detenção, a Polícia descartou a tese de que o chefe da máfia tinha sido denunciado por companheiros que não queriam alguém doente à frente dos destinos da máfia, explicando que foi a combinação de métodos investigativos da velha guarda com tecnologia moderna que restringiu a lista de suspeitos até chegar a Denaro. A estratégia da Polícia foi enfraquecer a rede de proteção do mafioso, até deixá-lo a descoberto.
Durante mais de uma década, as autoridades visaram qualquer pessoa suspeita de proteger ou ajudar o patrão da máfia: mais de 100 foram detidas, incluindo os irmãos de Denaro, bens avaliados em mais de 150 milhões de euros foram apreendidos, e as comunicações dos familiares foram colocadas sob escuta. A pouco e pouco, a tal rede foi cedendo e o siciliano foi ficando mais vulnerável.
As pesquisas na Internet detetadas e as várias conversas com referências genéricas a cancro e a tratamentos oncológicos em que foram apanhadas as pessoas próximas de Denaro foram suficientes para alertar as autoridades, que reuniram informações sobre todos os pacientes masculinos com cancro nascidos em 1962 perto de Trapani, no oeste da Sicília. No decurso da investigação, reduziram a lista de suspeitos a cinco homens.
Localização do telemóvel tramou mafioso
Um nome saltou à vista: Andrea Bonafede, sobrinho do falecido chefe da máfia Leonardo Bonafede. A Polícia detetou que um homem apresentando essa identidade tinha sido submetido a cirurgia oncológica em Palermo em 2020 e 2021, mas a geolocalização do telemóvel do verdadeiro Bonafede colocava-o longe da capital siciliana numa dessas datas.
Quando uma sessão de quimioterapia foi agendada nesse nome, a Carabinieri soube que era a sua oportunidade para apanhar o suspeito e mobilizou mais de 100 membros das forças armadas para um cerco à clínica de La Maddalena, na segunda-feira. Messina Denaro seguia a pé para um café em frente quando percebeu a forte presença policial. Ainda tentou voltar para trás, mas viu mais polícias a fechar a rua e deixou-se prender sem resistência.