Doentes demasiados frágeis para serem transferidas permanecem em hospital pediátrico de Kiev e vulneráveis ao cerco russo. ONU conta cem mil órfãos deslocados.
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Os ucranianos, os que ainda têm acesso a meios de comunicação, aplaudiram o doutor Alexei Istomin, médico de um hospital oncológico de Kiev, que guiou uma caravana de ambulâncias e 33 crianças diagnosticadas com leucemia até Lviv, última escala para transferência, acolhimento e tratamento na Polónia e na Alemanha. Problema: para trás, no abrigo subterrâneo do mesmo hospital Okhmadet, permanecem duas centenas de crianças doentes com cancro, demasiado frágeis para qualquer deslocação e vulneráveis ao cerco russo.
O hospital Okhmadet já transferiu mais de oito centenas de crianças desde o início da ofensiva da Rússia. As últimas três dezenas chegaram a Lviv, a 70 quilómetros da fronteira com a Polónia, após cinco dias de uma viagem traçada pelos corredores humanitários, mas atreita a todos os perigos da guerra.
No "bunker", guardado por seguranças armados, ficaram as duas centenas de crianças consideradas intransferíveis, por se encontrarem fragilizadas. Também não podem viajar de autocarro ou de comboio, porque têm o sistema imunitário muito em baixo e correriam o risco de contrair uma doença infecciosa e fatal. "Estamos sempre a avaliar a possibilidade de mais alguma criança poder sair, mas é muito difícil que possam sobreviver a este longo trajeto. O que está a suceder é um crime de guerra", revolta-se o doutor Istomin.
Medicamentos em falta
A angústia dos pediatras e dos familiares dos doentes de Kiev é a mesma aflição que por todo o país se apodera das vítimas mais vulneráveis. A norte de Kiev, em Tchernihiv, a 90 quilómetros da Bielorrúsia e numa zona já completamente bombardeada e tomada pelas tropas russas, o quotidiano de violência também põe em risco dezenas de crianças internadas. A penúria de medicamentos agrava-se de dia para dia.
Publicado ao final da tarde desta terça-feira, o último relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos registava 38 crianças mortas e 70 feridas pelos bombardeamentos. Ainda segundo a ONU, mais de um milhão de crianças abandonaram o país nos primeiros 13 dias de guerra. A UNICEF calcula que dentro da própria Ucrânia estejam deslocados 98 mil órfãos.
Israel, Alemanha e Polónia já acolheram duas mil destas crianças sem amparo familiar. Sete centenas, oriundas de Odessa e de Carcóvia (Kharkiv), foram alojadas num hotel de Varsóvia.