Eduardo Paz Ferreira convida, em novo livro, a refletir sobre a necessidade de repensar políticas europeias, salientando as boas práticas norte-americanas.
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Uma pandemia que deixou, à vista de todos, uma série de problemas sociais e económicos inadiáveis e as palavras de reflexão do Papa Francisco sobre um Mundo onde persistem "inúmeras formas de injustiça e desigualdade" foram o mote para o novo livro de Eduardo Paz Ferreira, "Como salvar um Mundo doente". Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e decano do Grupo de Ciências Jurídico-Económicas, é também um europeísta convicto que admite que os EUA do presidente Joe Biden estão bastante mais adiantados do que a União Europeia.
De que forma é que a reflexão do Papa Francisco guiou o livro?
Às vezes, digo, na brincadeira, que o Papa é o meu líder político. Mas é a única pessoa que parece ter uma visão muito adequada das coisas e a forma como ele se tem debatido com temas como a desigualdade, os refugiados e o atraso em várias regiões tem sido decisiva para chamar a atenção para os problemas. Claro que não tenho nenhuma varinha mágica, mas quero dar o meu contributo e por isso escrevi este livro. Creio que é importante perceber que esta pandemia expôs tudo o que estava mal no Mundo, como a desigualdade e a pobreza. Infelizmente, não são problemas novos, mas, sobre muitos deles, houve uma grande passividade, desinteresse... Veja-se, por exemplo, a desigualdade entre continentes. Talvez a pandemia ajude a que se encontrem novas respostas.
E como se resolvem estes problemas?
O que considero que não pode mais ser adiado é a melhoria na cooperação internacional, criar uma sociedade mundial com poderes reais de intervenção. Temos, por exemplo, as Nações Unidas, mas que não tem poderes para nada. Tal como a Organização Mundial da Saúde, que tem, tecnicamente, uma grande competência, mas que depois não tem meios. É preciso reforçar os montantes e as formas de atuação no terreno. É fundamental mesmo para nós, europeus. Não podemos ter a ilusão de que a União Europeia [UE] pode ficar imune à covid-19 se continuar a haver em África, na América Latina. O nosso Mundo é tudo menos isolado, não conseguimos isso. Na UE, uma das questões mais importantes é, sem dúvida, a questão das finanças europeias. Nós vivemos com umas regras orçamentais de inspiração salazarista, com regras pesadíssimas, em que os estados não se podem endividar, e estas regras têm feito com que a UE tenha tido níveis de crescimento muito baixos.
Porque destaca a visão dos EUA para salvar o Mundo como "melhor do que a da União Europeia"?
A OCDE diz que a resposta norte-americana é duas a três vezes superior à da UE. Os EUA são mais determinados, já a UE é demasiado burocrática, demora muito a resolver tudo. Tanto que precisou de um ano para celebrar um acordo e começar a resolver a pandemia. Já Biden chegou à Presidência, distribuiu cheques à população para que não ficasse sem dinheiro e para que a atividade económica continuasse. Numa América que sabemos ser dividida entre conservadores e liberais, Biden tem conseguido pôr as coisas a correr bem. Na UE, não sei como é que ultrapassamos uma situação em que há posições diferentes em determinados estados, em que são aceites situações como as da Hungria, da Polónia.
De que forma é que a crise sanitária convida a um "modelo diferente de sociedade"?
A uma sociedade onde haja uma maior cooperação entre setor público e privado. Por exemplo, veja-se a velocidade com que foram feitas as vacinas anticovid-19: com investimento massivo do Estado, mas com recurso a laboratórios privados. É preciso, por um lado, encontrar um novo modelo de estado e de cooperação, que não assente numa espécie de ódio e desconfiança permanentes entre os dois setores. E, depois, que haja a passagem para uma maior atenção às pessoas, às vidas, aos ordenados insustentáveis, à fome, ao desemprego.
A partir do desafio do Papa Francisco para que se salve um planeta doente - com "uma economia que mata" e a braços com a covid-19 -, Eduardo Paz Ferreira reflete sobre a necessidade de os países mudarem de vida. "Como salvar um Mundo doente" identifica "novas formas de encarar as crises económicas e sanitárias conjugando público, privado e agentes individuais". O impasse europeu angustia, a esperança sopra da América.