Milhares de pessoas vivem há quase um mês em estações de metro. Muitas têm medo e voltar à superfície e quase só saem para recolher alimentos.
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Há quase um mês que milhares de ucranianos vivem nas estações de metro de Kharkiv. Sem saber quando voltará a paz, vão improvisando novos lares dezenas de metros abaixo do solo.
Desde 24 de fevereiro, quando caíram as primeiras bombas russas, que Vladlena, a mãe e os dois filhos, de três e seis anos, levam uma vida subterrânea. "Todos os dias quero ir dar uma volta, mas não consigo. Os miúdos ouvem as bombas e só querem voltar para baixo", explica ao "Washington Post". Para baixo é para a plataforma de uma das estações de metro de Kharkiv, construídas nos anos de 1970 para também servirem de abrigos nucleares.
Por causa do conflito, um quarto dos 40 milhões de ucranianos foram forçados a abandonar as casas. Em Kharkiv, metade dos 1,4 milhões de habitantes fugiram da cidade. Aqueles que não conseguem ou não querem fugir encontraram um novo lar debaixo da terra.
300 moram na estação
O interior de uma estação de Kharkiv é agora a casa de 300 pessoas, incluindo mais de 50 crianças. Os polícias pediram para não identificar o local, com medo de que os russos a ataquem.
Vladlena explica que é muito perigoso e difícil sair. Não têm carro, nem nenhum sítio para ir. E esta é a sua cidade. "Somos de Kharkiv da cabeça aos pés", conta a mãe, Yelena, de 61 anos. "Tínhamos uma cidade tão bonita. Bombardearam o nosso zoo, as nossas igrejas; bombardearam todas as coisas bonitas que tínhamos", acusa.
Nas primeiras noites, dormiam sentados, nos bancos de madeira. Pensavam que seria só por um dia ou dois, mas já se aperceberam de que estavam enganados. O chão de mármore começou a ser coberto com tendas e colchões e hoje restam poucos espaços livres.
"Já estamos aqui há tanto tempo. Somos como uma grande família", conta Vladlena. Debaixo de solo, não se dá pelo passar do dia. "É muito difícil conseguir que as crianças durmam durante a noite. Vão dormitando durante as tardes", lamenta a mãe.
Sentada num banco, sozinha, está Alina, de 25 anos. Já chorou muito à espera de notícias da linha da frente onde o marido está a combater. As mensagens são cada vez mais raras, mas Alina não desiste. "Não me vou embora sem ele", garante.
Lá em cima, a cidade está deserta e sombria. Cada dia que passa, as bombas fazem novos destroços e acumulam mais destruição. Lá em baixo, a estação está decorada com tulipas trazidas por voluntários a 8 de março, Dia da Mulher. O frio e a humidade vão mantendo-as frescas. Por quanto tempo não se sabe.
História
"Amámos a língua russa mas eles odeiam-nos"
A apenas 25 quilómetros da fronteira, fala-se mais russo do que ucraniano em Kharkiv. Ali não se esquece que, nos anos de 1930, sob ordens de Estaline, Moscovo impôs o "Holodomor" [A Grande Fome] que matou quatro milhões de ucranianos. E que na Segunda Guerra Mundial foi palco de quatro duras batalhas entre soviéticos e alemães. "Há uma memória geracional do horror da guerra", diz Irina Martinova, 49 anos. Mesmo assim, a cidade assume com prazer a língua russa. "Ninguém lhe vai dizer uma palavra má sobre a língua russa. Amamo-la, mas eles odeiam-nos", assegura Valentina, 61 anos. As bombas parecem dar-lhe razão.
Perguntas
Além do valor geográfico e económico que teria uma vitória da Rússia em Mariupol, o sucesso da invasão naquela cidade serviria de bandeira para a propaganda do Kremlin.
Qual é o valor estratégico de Mariupol?
Tomar Mariupol significaria, para a Rússia, conquistar uma ferramenta determinante no progresso da invasão na Ucrânia: é uma grande cidade portuária, base das forças armadas ucranianas, e permitiria estabelecer um corredor terrestre entre o Donbass e a Crimeia.
Que impacto teria esta eventual conquista russa na economia ucraniana?
Com o maior porto comercial do mar de Azov, Mariupol é a porta para as exportações da Ucrânia: cereais, ferro, aço e maquinaria. Perder a cidade portuária seria um grande golpe para o que resta da economia.
O território tem algum valor simbólico?
Além de estar em território reivindicado pela República Popular de Donetsk, Mariupol faz parte da visão de Putin da "Nova Rússia", que se estende pelo Leste e Sul da Ucrânia, ao longo da costa do mar Negro, e é vista como "território historicamente russo".
Que uso daria a propaganda do Kremlin a uma ocupação bem sucedida de Mariupol?
Vendo a guerra como uma "desnazificação" da Ucrânia, ocupar Mariupol seria uma grande vitória para o Kremlin, uma vez que a cidade tem servido como base do batalhão Azov, com raízes de extrema-direita.
Psicologicamente, a Ucrânia perdia a guerra?
Mariupol tem resistido aos bombardeamentos russos diariamente. A cidade está dizimada, tal como aconteceu com Grozny e Aleppo. Uma conquista russa da cidade teria um efeito dissuasor nas tropas de Volodymyr Zelensky.
O que ganha a Rússia com a cidade dizimada?
"Os russos não podiam entrar em Mariupol", disse o ex-general do Exército britânico Richard Barrons, à BBC. "Como não podiam entrar com os tanques, transformaram a cidade em escombros. É isso que devemos esperar em qualquer lugar que importe para eles".