Palavras-chave como #staged (encenado) e #fakeassassination (falso assassinato) foram vistas milhões de vezes nas redes sociais, após o tiroteio num comício de Donald Trump. Mensagens de desinformação que questionam as explicações oficiais têm agora o ex-presidente como foco e ganham terreno à boleia de contas falsas.
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Assim que foi divulgada a notícia de que Donald Trump tinha sido atingido por disparos num comício na Pensilvânia, no passado sábado, com fotografias e vídeos do momento em que o ex-presidente é ferido de raspão por uma bala na orelha direita, surgiram de imediato mensagens a questionar a veracidade do que as autoridades classificaram como “tentativa de homicídio”.
As imagens de Trump a baixar-se para se proteger e a ser cercado por vários agentes dos serviços secretos, erguendo-se depois com sangue na orelha e na face – à semelhança de tantos filmes de Hollywood –, alimentaram o ceticismo dos críticos do ex-presidente, mostrando que a desinformação não é um exclusivo da extrema-direita.
“Num sinal de como estas narrativas se tornam imparáveis, o foco da desconfiança desta vez foi Donald Trump, um dos arqui-proponentes do argumento de que não se pode confiar nos meios de comunicação social e no "establishment" em geral”, salienta o jornal britânico “The Guardian”.
"Um candidato presidencial levou um tiro na cara e a nossa reação coletiva como país foi rir, porque nunca nada pareceu tão falso", divulgou uma conta crítica a Trump na rede social X, numa mensagem que somava mais de dois milhões de visualizações na segunda-feira.
"Parece muito encenado. Ninguém na multidão está a correr ou a entrar em pânico. Ninguém na multidão ouviu uma arma a sério. Não confio nele", escreveu um outro utilizador do X, cujo perfil o situa na Irlanda e que teve mais de um milhão de leitores.
E uma das muitas fotografias do momento, que mostra Trump de punho erguido, com sangue no rosto e na orelha, com a bandeira dos EUA ao fundo, foi considerada "demasiado perfeita" por uma conta norte-americana no YouTube, que questiona como conseguiram "posicionar a bandeira na perfeição e tudo". A publicação no X atingiu quase um milhão de visualizações, mas foi posteriormente apagada.
Contas falsas
Publicações nas plataformas X, Facebook, Instagram e TikTok que usaram hashtags de teoria da conspiração podem ter sido vistas até 595 milhões de vezes nas 11 horas seguintes ao tiroteio, de acordo com a Cyabra, uma empresa israelita de análise de desinformação. E as hashtags de conspiração receberam 404 mil reações dos utilizadores ("engajamento"), segundo a mesmo organização, referindo-se a gostos, comentários e repartilhas das mensagens.
A par das publicações de contas autênticas que afirmam que Trump encenou o tiroteio para aumentar as suas hipóteses de eleição em novembro, a Cyabra encontrou tentativas coordenadas de propagar uma narrativa falsa. Analisando 3115 perfis de redes sociais que utilizavam as hashtags de conspiração, descobriu que 45% eram contas "falsas".
"A narrativa que afirma que Trump encenou o tiroteio foi predominantemente disseminada no X", concluíram os analistas da Cyabra num relatório, citado pelo “The Guardian”. Numerosos relatos sugeriram que Trump, antecipando uma derrota eleitoral para Biden, "orquestrou o incidente para atrair mais eleitores e alterar a narrativa predominante nos Estados Unidos."
Teorias apartidárias
A História dos Estados Unidos conta com várias tentativas de assassínio de presidentes dos Estados Unidos que motivaram teorias da conspiração ao longo dos anos - a mais famosa foi a morte de John F. Kennedy em novembro de 1963. Mas o tiroteio de sábado no comício de Trump na Pensilvânia foi a primeira a desenrolar-se com o imediatismo das redes sociais.
E a reação online não se limitou a grupos de apoiantes políticos, uma vez que o tema foi ativamente recomendado nos “feeds” dos utilizadores enquanto tentavam compreender o que tinha acontecido.
Se os críticos de Trump falam em encenação, os republicanos questionam as falhas de segurança. Uma conta popular de direita no X publicou, no domingo: "Estão a dizer-me que os serviços secretos deixaram um tipo subir a um telhado com uma espingarda a apenas 150 metros de Trump? Trabalho interno". O “post”, assinalado como desinformação pelos especialistas da NewsGuard, teve mais de 7 milhões de visualizações.
Outra conta no X registada nos Estados Unidos sugere que a "ordem" para o assassínio "provavelmente veio da CIA" e acusa Barack Obama, Hillary Clinton e Mike Pence de estarem envolvidos. Não há provas que o sustentem, mas o “post” foi visto 4,7 milhões de vezes.
"As teorias da conspiração não se limitam a uma persuasão política", analisa Imran Ahmed, diretor executivo da ONG britânica Center for Countering Digital Hate (Centro de Combate ao Ódio Digital), acrescentando que esses pontos de vista são uma tentativa de "colocar os acontecimentos numa narrativa que faz sentido para nós" e que "reforça as nossas crenças e preconceitos".
"Devido às fortes emoções em torno das eleições [nos EUA], reforça-se o desejo das pessoas de enquadrar o que está a acontecer numa narrativa pré-determinada que satisfaça as suas perspetivas políticas de qualquer forma", afirmou.
As teorias da conspiração lançadas por pessoas com tendências de esquerda ou liberais deram origem ao termo "Blueanon", em referência à cor azul do partido democrata. O termo é uma derivação de "QAnon", a teoria de conspiração da direita pró-Trump, segundo a qual uma elite satânica que controla o mundo está a operar uma rede de abuso de crianças.