João Peças Lopes, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, diretor associado do INESC TEC e estudioso da matéria, contesta o nuclear e aponta-lhe os perigos. Diz que a energia do átomo não serve a Portugal e que o futuro são as renováveis.
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Que risco representa Zaporíjia?
Normalmente, numa central nuclear não há o risco de explodir, como uma bomba atómica. O problema é a fissão do núcleo, que pode libertar substâncias radioativas, que vão para a atmosfera e que depois os ventos se encarregam de dispersar, com impactes brutais a quilómetros e quilómetros de distância. Por isso, é fundamental para uma central nuclear ter sempre energia que permita a circulação do fluído da refrigeração do reator, que garanta a extração do calor que resulta da reação nuclear. O ponto crítico é sempre este: é preciso garantir que a temperatura do núcleo se mantém dentro de valores aceitáveis e que nunca conduzam a uma situação de fusão, como ocorreu nos Estados Unidos, na central de Three Mile Island, depois em Chernobyl e Fukushima. Em todas estas situações o problema foi o de haver o risco de fusão do reator nuclear e no limite o reator fundir e enterrar-se pela terra dentro, libertando uma quantidade louca de materiais radioativos. Em Fukushima, o problema foi também gravíssimo, porque o tsunami, além de inundar a central também cortou a rede elétrica. Os próprios grupos diesel, os grupos de socorro que permitem o fornecimento de energia elétrica para manter os circuitos de refrigeração, ficaram fora de serviço.
Que garantia existe em cenário de guerra?
Não há. Nenhuma destas estruturas foi preparada para ambientes de conflito. No limite, foram concebidas para suportar, por exemplo, a queda de um avião. São regras que todas as centrais têm. São instalações industriais com níveis de segurança elevadíssimos e circuitos com grande nível de redundância. O problema é que, mesmo com esses níveis de redundância, há situações excecionais que, a ocorrerem, têm um impacto profundamente dramático, com herança para milhares de anos.
Zaporíjia preocupa?
Trata-se de uma central enormíssima, a maior da Europa, com seis mil megawatts e, portanto, tem um parque de linhas enormíssimo para evacuar a produção de eletricidade. E o que ocorreu nos últimos anos - digo anos porque este processo vem desde 2014 - e nos últimos meses é que estas linhas têm sido destruídas pela guerra. Mais recentemente, a central estava a operar apenas com duas linhas, uma de 700 kw e outra de 330 kw. A de 700 kw foi destruída e a central passou a operar só com uma de uma potência relativamente baixa. E aqui o ponto fundamental é este: a central não deve ser desligada da rede elétrica, porque precisa não só de evacuar a produção como assegurar um circuito elétrico onde está "pendurada" e que lhe permite o abastecimento de energia para o funcionamento dos serviços auxiliares. Um serviço auxiliar crítico, por exemplo, são as bombas de refrigeração: se não houver potência, se não houver energia para rodar as bombas de refrigeração, temos um problema muito sério. É claro que estas centrais têm sempre grupos com combustível fóssil, com autonomia para alguns dias, que permitem manter a central mesmo que esteja totalmente desligada da rede, mas é sempre uma situação de contingência, uma situação bastante grave.
Qual seria a escala de um desastre?
Já nem imagino que todos os seis reatores fossem sofrer do mesmo problema, até porque alguns estão mesmos desligados, mas, mesmo com um ou dois reatores, a situação seria mais grave do que Chernobyl. E é preciso não esquecer que alguns deste materiais radiativos têm semividas (o tempo até à redução da radioatividade até à sua metade) para milhares de anos. Tudo isto é dramático.
Como avalia, então, a sustentabilidade da produção de energia nuclear?
Muito mal! Não é por acaso que, depois de Fukushima, muitos países europeus, e os Estados Unidos também, deixaram de investir na energia nuclear. Por que é que a Alemanha, por exemplo, encerra todas as suas centrais nucleares? Por causa de Fukushima. Os alemães percebem que o risco de ter uma instalação nuclear não é nulo, que é muito significativo. E aqui leia-se risco da seguinte forma: o risco tem a ver com o produto entre a probabilidade de ocorrência de um problema técnico versus o seu efeito; e como o impacto é tão grande, tão grande, tão grande, mesmo que a probabilidade seja baixa, o que temos é um impacto combinado muito significativo.
A Alemanha renuncia, mas a França investe...
Porque a França tem uma indústria importantíssima no nuclear, com um peso muito significativo na economia do país. Ou seja, há aqui decisões com impacto económico e não é só na produção de eletricidade é também na indústria que produz os equipamentos para a instalação das centrais, não só em França como noutros países. E a França desenvolveu essa indústria que é das mais avançadas do mundo. Não duvido que os franceses têm soluções técnicas de grande segurança, mas nunca estão isentas de qualquer problema. Se não, veja-se: metade das centrais nucleares francesas, que têm 90 terawatts de potência total instalada, está fechada, porque descobriram problemas de corrosão nos circuitos de refrigeração em várias centrais, que reclamam serviços de manutenção muito prolongados em todas estas unidades.
E Portugal? Tem interesse ou condições para instalar uma central nuclear?
Não. De forma alguma. Portugal não tem condições nem capacidade técnica para desenvolver essa solução. Por outro lado, é uma solução que não interessa ao sistema elétrico português. Temos um sistema elétrico que é relativamente pequeno e construir uma central nuclear implicaria uma potência mínima de 1000/1400 megawatts, o que significa que uma central destas fora de serviço, porque precisa de manutenção ou porque avariou - nem estou a falar de nenhum outro problema, falo de uma situação absolutamente normal -, se precisar de reparar um circuito, como sucede em França, porque todas as centrais precisam de manutenção, para conseguirmos um sistema elétrico que a operasse tínhamos de ter a mesmo potência de reserva, que permitisse admitir situações de saída de serviço da instalação. E isso teria um impacto brutal, porque teríamos de ter uma capacidade de reserva, diria quase ociosa, para manter uma unidade fora de serviço e continuar a satisfazer a procura. Ou seja, teria um impacto muito significativo na segurança de abastecimento e também custos de serviço que se repercutem no preço da eletricidade.
Então, qual é a melhor solução?
A solução está já encontrada. Em Portugal, por exemplo, não restam dúvidas. A solução mais eficiente e mais económica é proporcionada por fontes renováveis. Temos recursos energéticos em abundância, quer eólicos quer fotovoltaicos, e a primeira coisa de que precisamos é ter capacidade de armazenamento, para que, quando tivermos excesso de produção, em certos períodos do ano, podermos armazenar e dispor dessa energia para satisfazer a procura nos momentos em que os recursos renováveis não estão lá, ou porque o sol é menos intenso no inverno ou porque o vento não sopra em determinado período do ano.