As chuvas não deram tréguas desde agosto e o resultado foi o mais mortal da história da Nigéria. A água destruiu praticamente tudo, incluindo o desejo de milhares de alunos de regressar à escola. O ensino e a aprendizagem ficaram submersos, enquanto estes jovens tiveram de trocar o sonho pelo trabalho para poderem sobreviver.
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Escolheram a sobrevivência ao invés da educação, o único caminho possível para cerca de 1000 crianças no estado de Cross River, que se viram obrigadas a trabalhar em fazendas ou carpintarias de automóvel para entrar comida na mesa, algumas destas com apenas 12 anos. "Queremos voltar à escola, mas isso não pode acontecer se não tivermos a certeza do que vamos comer no dia seguinte. Só uma pessoa que tem comida pode concentrar-se e aprender nas aulas", diz Ojong, que com o irmão de 14 anos caminha 10 km todos os dias para trabalhar.
Depoimentos que são consequência das alterações climáticas, responsáveis pelas chuvas intensas que atingiram este ano a Nigéria, afetando 31 dos 36 Estados do país. A isto somam-se a destruição de florestas e pântanos, que facilitam a livre circulação da água. Dados do jornal britânico "The Guardian" revelam que pelo menos 600 pessoas morreram e cerca de 1,3 milhões foram forçadas a deixar as suas habitações. Pequenos negócios, 150 mil hectares de campos, 80 mil casas e mais de 320 estradas e pontes ficaram completamente destruídos pelas inundações.
O país com maior população da África luta constantemente para se adaptar às mudanças provocadas pelo clima e o preço mais alto está a ser pago pelas crianças e jovens privados de aprender. Segundo a Unicef, aproximadamente, 18 milhões de crianças já tinham abandonado a escola antes das cheias. Agora que o "dilúvio" parece ter abrandado, as famílias só pensam em reparar o rasto de destruição.
Jonah Ovat é agricultor e viu o trabalho de uma vida desaparecer em instantes, à semelhança do que acontece com os tempos de escola dos três filhos adolescentes: "não temos mais fontes de rendimento e é por isso que todos, inclusive as crianças, têm que trabalhar para que a família possa sobreviver. Não há educação para os meninos porque o tempo que deveriam passar nas aulas, usam-no para trabalhar".
Algumas famílias estão pessimistas quanto à possibilidade de os seus filhos voltarem a estudar. Ruth Abeng, uma viúva cuja mercearia foi destruída pelas enxurradas, confessou ao "The Guardian" que "se a educação se tornar muito cara, o meu filho terá de se concentrar no trabalho que está a fazer agora." O jovem de 14 anos seguiu a área de mecânica de automóveis e a mãe garantiu que se for bem-sucedido abandonará a escola.
De dia para dia crescem as preocupações com as elevadas taxas de exploração infantil, na sequência deste desastre climatérico, uma vez que as crianças são mão-de-obra barata e por vezes sujeitam-se a condições desumanas. "Trabalhamos das 7h às 17h todos os dias e não podemos comer até terminarmos o trabalho do dia", explicou Timothy Ojong, que aos 16 anos viu-se obrigado a trabalhar numa fazenda de cacau, desde outubro, altura em que abandonou os estudos. As situações que relata espelham uma realidade cada vez mais assustadora na Nigéria: "muitas crianças desmaiam de exaustão."
Okama Amos, diretor de escolas no Estado de Cross River, diz que o governo está preocupado e que tudo fará para devolver um direito a estas crianças: "estamos a tentar encorajar os pais a permitir que os seus filhos voltem à escola, pois o governo está a fazer esforços para ajudar as famílias afetadas pelas cheias".
Por responder fica a pergunta: Quantas mais inundações impedirão estes jovens de frequentarem uma sala de aula?