Sandra Fernandes, professora na Universidade do Minho e especialista em Relações Internacionais, avalia o discurso de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, e a posição do presidente francês, Emmanuel Macron, face ao conflito na Rússia. Certo é que a "escalada de palavras não ajuda às negociações", garante a docente.
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Que leitura faz da diferença de tom utilizado nos discursos de Biden e Macron?
São, de facto, duas narrativas muito diferentes. A França está a tentar desempenhar o papel de mediador, de alguém que consegue falar com Putin. Já o discurso de Biden foi muito elevado em termos de ideologia, que lembra que esta guerra também põe em causa dois modelos de sociedade. Quando Macron se contrapõe ao vocabulário utilizado por Biden, diz até que está previsto um contacto com Putin [para hoje ou amanhã] para tentar organizar uma evacuação de Mariupol.
Com as reações que o discurso de Biden motivou, corre-se o risco de Putin responder com mais bombardeamentos?
O discurso é importante porque mostra a perceção e interpretação desta guerra, que é muito ao nível de dois modelos ideológicos diferentes de sociedade e de regimes, mas Putin irá reagir, essencialmente, à sua investida na Ucrânia, aos seus avanços militares, e às medidas que são tomadas: sanções contra a Rússia e ajuda militar à Ucrânia. Para já não há outras, além das garantias aos países da NATO, da sua integridade territorial com a criação de quatro agrupamentos táticos adicionais nos territórios que fazem fronteira com a Rússia, Ucrânia e a Bielorrússia. Mas estas são medidas mais para dentro. Claro, também é um sinal que se dá a Putin, que a linha vermelha é essa, que o território dos países da NATO é inviolável.
Mas poderá influenciar as negociações?
Influencia sempre. Depende da margem de manobra que Macron, que é candidato presidencial, terá na conversa com Putin. A primeira volta das eleições francesas é a 10 de abril e, portanto, ele tem de mostrar que tem capacidade de levar a cabo um dossier que tem nas mãos já antes da guerra começar. Até porque, já se apresentava como o único que conseguia, de facto, dialogar com Putin, cujas ideias estão em rutura com as ocidentais. Claro que a escalada de palavras não ajuda às negociações. No fim da linha, o que vai contar são as questões de facto, mas que esta guerra consagra uma rutura completa da Rússia com a aproximação ocidental, está mais do que consumado.