Lesia e Yulia viviam em Chernivtsi, cidade no Sul da Ucrânia. Fizeram cerca de 40 quilómetros a pé até à fronteira de Siret, na Roménia. Chegaram a Lisboa no dia 21 de março, depois de aceitarem o transporte a título particular de um grupo com sete carrinhas de nove lugares cada.
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Voluntários que apenas lhes asseguraram a viagem. Através de uma amiga, conseguiram abrigo temporário numa casa em Azeitão, onde estiveram sete dias. Não tinham casas à volta e muito menos acesso a transportes ou supermercados.
Como Lesia e Yulia, há muitos outros. A título particular, dezenas de portugueses viajam até à Polónia para trazerem refugiados ucranianos. Preocupam-se apenas com o transporte, sem garantias de alojamento, alimentação ou emprego a quem faz a viagem. Em muitos casos, os refugiados são largados em abrigos temporários, onde apenas conseguem ficar uns dias. "Recebemos muitos pedidos [de ajuda] de pessoas que já estão no país. Só temos capacidade para 25 pessoas e estamos à procura de alojamento permanente para elas. Quem vier agora não pode ficar mais que um ou dois dias porque não lhes podemos oferecer condições", explica Rosário Ochoa, psicóloga e presidente da Fundação Graça Gonçalves (Lugar dos Afetos), que adaptou um parque temático, em Aveiro, para alojar refugiados. Esta é apenas uma das instituições a braços com o problema.
Sem teto
Para além destas entidades há também voluntários que dedicam o seu tempo a ajudar ucranianos recém-chegados a Portugal que não têm onde ficar. "Já consegui alojamento para 23 pessoas que estavam completamente desamparadas", conta Fernando Soares, residente em Portalegre. Foi dele que Lesia e Yulia receberam ajuda e serão acolhidas na Santa Casa da Misericórdia daquela cidade alentejana até conseguirem alojamento permanente."Não sabíamos que íamos ficar nestas condições, mas foi o que nos puderam arranjar", conta Lesia, de 41 anos. "Para já, queremos muito arranjar trabalho e quem sabe um dia voltar à Ucrânia".
Fernando Soares é bastante crítico em relação às iniciativas particulares de transporte de refugiados, que afirma serem preparadas "em cima do joelho". "Estas pessoas não têm capacidade de organização. Fazem isto para se autopromoverem socialmente".
Apenas certificados
A situação é de tal modo grave que junto a Medyka, perto do principal ponto de entrada de refugiados na Polónia, está proibida a entrada de qualquer tipo de transporte que não esteja devidamente certificado. "Como já não conseguem entrar aqui, vão para a Roménia onde está tudo muito mais desorganizado e deixam entrar qualquer um", explica Carlos Birrento, voluntário que há um mês partiu sozinho para a Polónia e em comunicação com entidades portuguesas já enviou dezenas de ucranianos para Portugal. "Estão com medo. Há umas semanas conseguia encher um autocarro com 40 pessoas, agora há alguns que saem daqui com treze ou catorze", acrescenta.
Alberto Teixeira, porta-voz da Comunidade Ortodoxa de Aveiro, já ajudou mais de 20 pessoas que chegaram a Portugal sem um teto para ficar. A comunidade recebe diariamente pedidos de voluntários a título particular que querem certificar o transporte de refugiados até Portugal. Muitas vezes o pedido chega quando já estão a meio da viagem. A maioria é recusado.
O mais recente foi um caso de duas carrinhas que saíram de Évora e quando chegaram a Medyka não tiveram permissão para entrar. "Ligaram-me a pedir que lhes enviasse uma declaração que comprovasse que estavam a ser acompanhados pela nossa comunidade. Eu não os conhecia de lado nenhum e muito menos sabia qual era o plano deles para as pessoas que iam trazer, portanto recusei logo", explica o ortodoxo.
Tem sido assim nas últimas semanas. O telefone não pára e Alberto Teixeira conta que há até quem tenha usado o nome da comunidade para lograr ter transporte e financiamento para a viagem. "Uma senhora a quem eu recusei validar o transporte, por não provar ter condições nem credibilidade para assegurar o bem-estar dos refugiados, usou sem autorização o nome da Comunidade Ortodoxa para conseguir financiamento".
Meio televisivo
Sem querer revelar o nome, diz que a pessoa em questão é conhecida no meio televisivo por ter participado num "reality show". A fraude foi descoberta num encontro casual entre o porta-voz da comunidade e o administrador da empresa. O esquema, que até incluía o pagamento do salário à pessoa em questão durante a deslocação, foi desfeito, assegura Alberto Teixeira. "A única razão que eu vejo para ela ter feito uma coisa destas é para ter protagonismo social. Revolta-me que alguém brinque com vidas humanas por estes motivos".