Depois do Governo, agora é o PP que vê o ex-ministro das Finanças envolvido num escândalo para favorecer empresas energéticas em troca de pagamentos milionários.
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Quando tudo apontava para que fosse um verão difícil para Pedro Sánchez e o seu Governo, cercado por um escândalo de corrupção de contornos ainda pouco definidos, uma nova investigação veio pôr o foco no principal partido da oposição. Cristóbal Montoro, ex-ministro das Finanças do Partido Popular (PP), no Governo de Mariano Rajoy, está a ser investigado por um delito de corrupção e tráfico de influências por ter legislado a favor dos interesses de empresas de gás durante o seu mandato.
A notícia aterrou como uma bomba na política espanhola. A investigação defende que Montoro criou uma “equipa económica”, um escritório de advogados vinculado ao Ministério das Finanças, que recebia subornos das empresas de gás e outras empresas energéticas, em troca da aprovação de legislação favorável aos seus interesses. Entre 2008 e 2025, Montoro e mais 27 pessoas investigadas, entre elas membros da Direção-Geral do Tesouro, receberam mais de 11 milhões de euros de empresas energéticas.
A investigação revela ainda que Montoro acedeu diretamente aos processos fiscais confidenciais de rivais políticos dentro do próprio partido, como a ex-presidente da Comunidade de Madrid, Esperanza Aguirre; de famosos, como Rafael Nadal; ou de jornalistas. Alguns profissionais de informação vieram agora acusar o ministro de ter usado essa informação para os chantagear e que deixassem de criticar o Executivo.
O escândalo assume proporções ainda maiores porque a investigação garante que Mariano Rajoy, presidente do Governo na altura, teve conhecimento das ações de Montoro e que não tomou nenhuma medida para o impedir. Montoro, que já não tem nenhum cargo relevante no PP, abandonou a militância do partido assim que foi conhecida a investigação, mas, através de um curto comunicado, asseverou que “não existem provas de nenhuma das acusações”.
Apesar dos esforços de Alberto Núñez Feijóo, líder do PP, para se afastar da polémica, ao sublinhar que tudo terá acontecido muito antes de ele assumir a liderança do partido, a verdade é que a investigação veio desmontar toda a estratégia do PP das últimas semanas. Feijóo tinha lançado uma ofensiva contra o Governo centrada na corrupção, um discurso que se vê agora enfraquecido.
Balão de oxigénio
“O Governo conseguiu aqui um balão de oxigénio”, considera Pablo Simón, politólogo da Universidade Carlos III em Madrid. “Pelo menos conseguiu que a agenda pública, em vez de se centrar na análise dos casos de corrupção que cercavam o Governo, esteja agora centrada neste caso, que envolve o PP”.
Simón sublinha, no entanto, que se trata de "um balão de oxigénio temporário", uma vez que as investigações dos casos ligados ao Governo ainda não acabaram e sabe-se "que vão aparecer mais relatórios da Guardia Civil, cujo conteúdo pode fazer tremer o Executivo de novo, se implicar outros membros do Governo".
No início de junho, uma investigação da Guardia Civil destapou uma rede de corrupção do ex-ministro de Transportes, José Luis Ábalos, o seu assessor, Koldo García, e o ex-Secretário de Organização do PSOE, Santos Cerdán, que envolve o pagamento de comissões pela concessão de contratos e obras públicas. Os três foram acusados de tráfico de influências, fraude, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. Santos Cerdán ficou mesmo em prisão preventiva e o caso fez tremer o Governo.
Agora, a investigação de Montoro é um golpe na estratégia do PP. “Até agora tinha-se centrado muito na crítica cerrada à corrupção do Governo. Não vai mudar de estratégia, porque não tem tempo para o fazer, mas isto deixa-o numa situação muito incómoda”, explica. Numas próximas eleições, o PP apostava em roubar votos ao eleitorado menos fiel ao PSOE e mais desiludido por estes casos de corrupção, mas, agora, "esses votantes podem desmobilizar-se por completo ao pensar que também o PP está envolvido em escândalos do mesmo tipo e decidir ficar em casa".
Subida do Vox
Quem mais se pode beneficiar de um ambiente em que a corrupção parece estar generalizada é o partido de extrema-direita Vox. “Comparo muito esta situação com aquilo que aconteceu em Portugal. Num contexto de desprestígio dos principais partidos, quem tem condições para capitalizar o voto de protesto são os partidos da extrema-direita e, aí, o Vox ainda tem um espaço para crescer”, considera o politólogo.
Pedro Sánchez já fez saber que não tem intenção de convocar eleições antecipadas e, se conseguir chegar a 2027, o tempo corre a favor do Vox. “A média de um partido de extrema-direita na Europa está nos 19%, 20% de votos. O que era estranho é que o Vox continuasse em percentagens mais baixas”, sublinha. “O contexto atual, com um Governo com uma maioria parlamentar frágil e muita dificuldade para aprovar medidas, com uma investigação em curso, que o faz estar à defesa, favorece o seu crescimento”.
Apesar das intenções de Sánchez, num contexto tão incerto, é difícil prever se o líder do Governo vai ser capaz de levar a legislatura até ao fim. "Politicamente, se for capaz de aprovar o orçamento de Estado, estaria blindado até ao fim do mandato. Mas esse cenário parece altamente improvável até porque o Podemos já fez saber que só vai votar a favor se Espanha sair da NATO, algo completamente impensável", considera o politólogo.
Depois, está a questão judicial: “Sabemos que vão aparecer novos relatórios da investigação, mas não sabemos o seu conteúdo. E tudo vai depender disso. Se envolverem outros membros do Governo, ou se aparecerem áudios que indiquem haver financiamento ilegal do partido ou que Pedro Sánchez estava ao corrente do que se passava, é muito complicado que esta legislatura possa chegar a 2027”.